sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Megafilmeshd.net e nossa relação com a lei



Estão circulando vários memes sobre a prisão dos responsáveis por serviços de exibição de filmes na internet, como o megafilmeshd.net e o popcorn.com. Para quem não sabe, nessas empresas, a exibição é ilegal, porque são sites piratas.

Os mesmos memes comparam, com revolta, a prisão dos responsáveis pelos sites com a ausência de prisão dos responsáveis da quebra da barragem em Mariana/MG. Prenderam uns; por que, então, não prendem outros?

Parece ser uma revolta legítima. A lei, afinal, tem que ser aplicada a todos. Mas é essa a motivação dos que compartilham o meme?

Penso que não.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Mediocridade: uma questão de disputa simbólica



É dever de todo aquele que não compactua com a mediocridade fazer o medíocre sentir vergonha e auto desprezo por querer ser medíocre.

Duas observações quanto a isso:

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Como ler notícias: aforismos sobre a irreflexão cotidiana



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Antes de compartilhar algo, certifique-se em que se baseia a informação. É sobre o que aconteceu com alguém (e.g., racismo)? Então, caso não tenha o depoimento da própria pessoa e também o do acusado, pode-se confiar no que está sendo dito? É preciso de muito mais que bom senso para responder a essa pergunta?

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Apotheose: aforismos sobre queda e ascensão



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É sempre duro rir de um professor da Universidade, daqui ou do resto do mundo. De alguém que tem, às vezes, mais de 40 anos de docência, que escreveu e editou livros de referência. Alguém assim, por mais teimosia e cegueira intelectual que apresente, tem uma carga do tempo nas costas. É um Hércules à beira de ser queimado na pira, já se debatendo com o veneno impregnado na roupa que não consegue tirar. Mas ainda assim um Hércules.

sábado, 27 de junho de 2015

A “amizade platônica” de Mario de Andrade



“Se agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social […]”, diz Mário de Andrade em recente carta publicada, “é porque se poderia tirar dele um argumento para explicar minhas amizades platônicas, só minhas.” Não é fácil interpretar esse trecho; chama a atenção, porém, a expressão utilizada pelo escritor: “amizades platônicas”. Não seria amor platônico o que o artista quis dizer?, perguntaria alguém. Eu penso que não.

Consideramos saber o que significa amor platônico. Significa, diríamos, um amor idealizado em que amamos um projeto de pessoa e não a pessoa em todas as suas idiossincrasias. Significa também um amor em que namoramos alguém, sem que necessariamente alguém nos namore. É assim que quem não leu o Banquete, nem o Fedro entende Platão. Nada de mais, todo grande pensador deixa de precisar ser lido para ter seu nome ou sua doutrina (mal) entendidos. Mas Platão pode querer dizer algo diferente do platonismo do senso comum.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Viviany Beleboni não representa


Viviany Beleboni, a atriz que realizou uma performance em que aparecia crucificada, na última parada gay, participou ontem do Hora da Coruja, programa de filosofia na FlixTV, conduzido pelos amigos Francielle Chies e Paulo Ghiraldelli Jr., ocasião em que lhe fiz uma pergunta. Perguntei-lhe sobre o que ela achava do caráter político da parada gay, do modo como se manifestavam politicamente a comunidade LGBT.

O que motivou minha pergunta foi o fato de, mais cedo, ali mesmo, e em outras entrevistas, Viviany ter alegado que não concordava com o modo com que estão, principalmente alguns políticos difamadores, vinculando sua imagem à de outros manifestantes mais exaltados.

Sabe-se que o pastor deputado Marcos Feliciano divulgou uma montagem em que aparecem as imagens de Viviany crucificada em um quadro, junto a outros quadros em que aparecem outros manifestantes executando performances mais agressivas, uma delas é a de enfiar um objeto no cu, outra é a de fumar maconha. Sabe-se também que já foi desmentido que os quadrantes retratando os heterogêneos manifestantes não são todos da parada gay. (O leitor pode ver a reportagem em que ocorre o desmonte da farsa aqui). Porém, por que incomoda Viviany o fato de vincular sua imagem a outras manifestações?

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Filosofia: razão e fé


Greg Ganssle
Universidade de Yale

É uma ideia muito popular a de que fé e razão são opostas. Assim, se sustento algo baseado na fé, não é o caso que eu tenha também boas razões para sustentar isso. Ou, se argumento sobre algo, não é o caso que eu tenha fé. Algumas das razões porque é difícil hoje relacionar fé e razão tem a ver com o modo como falamos sobre o que acreditamos.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Acertar no alvo*

Ernest Sosa

Ernest Sosa**

O que é saber verdadeiramente algo? No dia a dia, podemos não pensar muito nisso – a maioria de nós repousa naquilo que considera ser julgamento justo e senso comum ao estabelecer o que é conhecimento. Mas a tarefa de definir claramente o que é conhecimento verdadeiro é mais complicada que possa parecer à primeira vista e é um problema que os filósofos têm lutado contra desde Sócrates.

Nos complacentes anos 1950, era sabedoria consolidada que sabíamos ser uma dada proposição verdadeira se, e somente se, ela é verdadeira, nós a acreditamos verdadeira e estamos justificados em acreditar nisso. Esse consenso foi explodido em uma breve nota de Edmund Gettier, na revista Analysis.

Aqui vai um exemplo do tipo usado por Gettier para refutar a teoria. Suponha que você tenha todas as razões para acreditar que você tem um Gol, já que o tem em sua posse há vários anos e o estacionou essa manhã na vaga usual. Entretanto, ele acabou de ser destruído por uma bomba, de modo que você não possui Gol algum, a despeito de sua crença justificada de que possui. Enquanto está tomando seu café da manhã num quiosque, você medita que alguém ali possui um Gol (já que, afinal, você o possui). E finda que você está correto, mas só porque outra pessoa no quiosque, o garçom, possui um Gol, fato que você nem suspeita. Aqui, então, você tem uma crença verdadeira bem justificada que não é conhecimento.

Após muitas tentativas de ajustar a explicação do tipo crença verdadeira justificada com poucas modificações, os filósofos empreenderam algo mais radical. Uma abordagem promissora sugere que conhecimento é uma forma de ação, comparável a de um arqueiro bem-sucedido, quando ele conscientemente objetiva acertar um alvo.

Um tiro de arco pode ser avaliado de muitas maneiras. Ele pode ser acurado (bem-sucedido em acertar o alvo). Ele também pode ser ágil (habilidoso e competente). Um tiro de um arqueiro é ágil somente se, à medida que a flecha sai do arco, ela é bem orientada e suficientemente vigorosa. Mas um tiro que é ao mesmo acurado e ágil pode, ainda assim, não alcançar a meta. Considere um ágil tiro de flecha, deixando o arco com velocidade e orientação que normalmente acertaria o alvo na mosca. Então, uma rajada de ar o desvia, mas uma segunda rajada o coloca de volta no caminho. Esse tiro é acurado e ágil, mas falha em ser apto. A aptidão de um tiro requer que seu sucesso seja alcançado não apenas por sorte (tal qual a sorte da segunda rajada). O sucesso precisa ser antes o resultado de uma competência.

Isso sugere a explicação AAA de um bom tiro de arco. Mas podemos generalizar a partir desse exemplo, para dar uma explicação de uma tentativa completamente bem-sucedida de qualquer tipo. Qualquer tentativa terá um alvo distintivo e será, assim, altamente bem-sucedida somente se obter sucesso não apenas agilmente, mas aptamente.

Claro, uma tentativa completamente bem-sucedida é boa, acima de tudo, somente se o objetivo do agente é bom o suficiente. Uma tentativa de assassinar uma pessoa inocente não é boa, mesmo que seja completamente bem-sucedida. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, desenvolveu uma explicação AAA de tentativas de levar a uma vida próspera, em acordo com virtudes humanas fundamentais (por exemplo, justiça e coragem). Tal abordagem é chamada de ética das virtudes. Já que há uma quantidade de verdade que precisa ser captada, caso alguém queira prosperar, alguns filósofos começaram a tratar a aptidão de alcançar a verdade como virtuosa, no sentido aristotélico, e desenvolveram uma epistemologia da virtude, que também finda por resolver problemas do tipo posto por Gettier. (O próprio Aristóteles, em VI.2, da Ética a Nicômaco, suporta o alcance da verdade como o bom funcionamento do intelecto.)

A epistemologia da virtude inicia por reconhecer asserções ou afirmações. Estas podem ser tanto públicas, em alto e bom som, ou a si mesmo, na privacidade da própria mente. Uma afirmação pode ter um ou vários objetivos, e até mesmo mais de um de uma vez só. Pode ter como objetivo enganar, como quando é uma mentira. Ou pode ter como objetivo exibir-se, revigorar alguém ou estimular confiança em si próprio quando se entra em uma competição atlética.

Um tipo particularmente importante de afirmação é aquele que objetiva alcançar a verdade, em acertar o alvo. Tal afirmação é chamada de alética (do termo grego para verdade: aletheia). Tudo que uma afirmação precisa para ser alética é que um de seus objetivos seja este: acertar o alvo.

Os humanos realizam atos de afirmação pública no esforço de falar a verdade, atos de crucial importância para uma espécie linguística. Precisamos de tais afirmações para atividades da maior importância para a vida em sociedade: para deliberação coletiva e coordenação e para o compartilhamento de informação. Precisamos de pessoas dispostas a afirmar as coisas publicamente. E precisamos que elas sejam sinceras (em geral), alinhando afirmação pública com julgamento privado. Finalmente, precisamos de pessoas cujas asserções expressem o que elas sabem realmente.

A epistemologia da virtude fornece uma explicação do conhecimento do tipo AAA: saber afirmativamente é fazer uma afirmação que é acurada (verdadeira) e ágil (que requer levar apropriadamente em conta as evidências). Em adição, porém, a afirmação precisa ser apta, ou seja, sua acuidade deve ser atribuível à competência, em vez de sorte.

Requerer do conhecimento que seja apto (em adição a acurado e ágil) reconfigura a epistemologia enquanto uma ética da crença. E, como bônus, permite à contemporânea epistemologia da virtude resolver nosso problema de Gettier. Agora temos uma explicação do porquê você falha em saber que alguém no quiosque possui um Gol, quando o seu próprio Gol foi destruído por uma bomba, enquanto que acontece do garçom possuir um. Sua crença nesse caso falha em atingir conhecimento pela razão de que falha em ser apta. Você está certo que alguém no quiosque possui um Gol, mas a correção de sua crença não manifesta sua competência cognitiva ou epistêmica. Você está certo somente porque, por sorte epistêmica, acontece do garçom possuir um. Quando nas suas cogitações você afirma a si mesmo que alguém no quiosque possui um Gol, sua afirmação não é uma afirmação alética apta e, assim, falha em atingir conhecimento.

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*SOSA, Ernest. Getting it right. The New York Times, Opinion Pages, Opinionator, The Stone. Nova York, 25 mai. 2015. Traduzido por Vitor Ferreira Lima. Disponível em <http://opinionator.blogs.nytimes.com/2015/05/25/getting-it-right/>. Acesso em: 12 jun. 2015.

**Ernest Sosa é professor de filosofia na Rutgers University. É autor de vários livros, entre eles “Knowing Full Well” e, mais recentemente, “Judgment and Agency”.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Não me deixe jamais, lembre-se de mim





A poucos centímetros, muitos quilômetros.
Por que essa impressão
de que precisaria de quilômetros
para medir
a distância,
o afastamento
em que a vejo nesse momento? 
(João Cabral de Melo Neto)



O mínimo que deves saber sobre o máximo a que chega tua cabeça, na iminência de explodir, é que os pedaços de carne e os respingos de sangue sujarão todas as paredes a tua volta. Terás que limpá-las depois, e isso já é motivo suficiente para que penses mais, respires mais. Sempre que respiras, teu espírito é outro. Acredite. O segredo é encher-se de ar.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Café com leite



O professor chega em sala de aula e diz: “De 0.8 a 9.7, teve de tudo”. Os alunos se entreolham e cada um, assustado, logo pensa, em seu íntimo, que aquele 0.8 anunciado é a nota de sua prova. O professor, então, após repousar a bunda em sua cadeira e distribuir, pela mesa, algumas pilhas de papéis, passa a comentar cada exame, chamando para perto de si o aluno a ele correspondente. Este, a cada enunciado proferido, vai afundando em sua própria coluna até virar um ponto de dimensões ínfimas, mas extremamente denso, como o momento inicial do Big Bang, para em seguida, quando liberado pelo professor, explodir.

terça-feira, 31 de março de 2015

A conversa da filosofia e a conversa da sofia




Todos sabemos que os velhos são sábios. Eles já percorreram o caminho que os jovens, muito provavelmente, percorreremos. Escutá-los, então, é vantajoso. O que torna essa vantagem mais acessível ainda é outra característica que eles – com a exceção de Seu Lunga – partilham: o gosto pela conversa. Céfalo, pai do ilustre sofista Lísias, é um velho que entrou para a história da Filosofia por partilhar desse gosto.

No início do Livro I, da República de Platão, Céfalo descreve assim sua afinidade: “na medida em que vão murchando para mim os prazeres físicos, nessa mesma aumentam o desejo e o prazer da conversa” (328d). Sócrates, que também era um amante de discursos, não deixa escapar a oportunidade e inicia o que ele mais gostava de fazer: o jogo de fazer perguntas e escutar respostas.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Casamento, amor e condução da vida*


Boa noite, recém-casados.

Boa noite, amigos presentes.

Quando minha irmã me convidou para ser padrinho de seu casamento e preparar um discurso, pensei que não poderia fazer outra coisa, se não algo relacionado à filosofia. Mais ai me ocorreu: falar algo do gênero pode não dar certo; o discurso fica chato se eu não souber levar. Mas, ao mesmo tempo, não posso escapar disso, porque é algo que corre nas minhas veias.

Amigos,

Vocês imaginam que um filósofo, chato, falaria algo do gênero “O casamento é uma instituição que, na origem, nada tem a ver com amor e tudo tem a ver com patrimônio” e, assim, estragaria todo o romantismo que essa ocasião pede. É verdade que o casamento, na origem, era isso, mas a origem não informa tudo sobre as coisas.

As coisas se transformam. A gente sabe que o presente ignora tanto o passado que não é raro que aquilo que existia no início acaba por ter pouca influência no dia a dia. Hoje e já há algum tempo, esta instituição chamada casamento simboliza outras coisas: o amor de duas pessoas e o quanto elas querem perpetuar esse amor indefinidamente.

Sand e Thiago,

Supostamente, eu, como padrinho, tenho que aconselhar vocês sobre o amor e sobre como preservar o amor.

Bem, o amor é um tema caro à filosofia. Mas vocês dois não se preocupem. Não vou falar aqui da origem grega do amor que era designado por três palavras e não por uma só. Não vou falar sobre Eros, philia e ágape – nomes engraçados pra noções que a gente pode começar a compreender perfeitamente por outros termos: desejo, amizade e caridade.

O desejo diz: eu te amo, você me faz falta, eu quero você.

A amizade diz: eu te amo, sua companhia me transborda, eu quero estar junto a você.

A caridade diz: eu te amo, Deus ama a todos, e, por Sua causa, nosso amor é possível.

O desejo é conhecido por não depender da escolha da gente. A falta que faz o outro, quando a gente ama, tanto vem, quanto vai, como se tivesse vontade própria. Os antigos consideravam o desejo divino por causa disso.

A amizade também tem o seu quê de não escolha. O ditado “a gente não faz amigos, mas reconhece” guarda certa verdade. Mas a gente reconhece não porque falta algo, mas porque a gente tá transbordando e quer compartilhar esse transbordamento com alguém nas mesmas condições.

A caridade é um sentimento tão desinteressado que só quem tem a divina capacidade de gerar uma vida é capaz de demonstrar. Ou seja, ou Deus ou a mãe e o pai da gente.

No casamento, as três formas de amor vão ter ocasião de aparecer. Não vejo utilidade em estabelecer qualquer hierarquia entre elas e aconselhar vocês, Sand e Thiago, por exemplo, a preservar mais uma que outra. Também não vejo como, do alto dos meus 25 anos, eu possa aconselhar um caminho seguro pra que o amor, em qualquer das manifestações, seja prolongado indefinidamente.

Sand e Thiago,

Amigos,

Como filósofo, não como sábio, não saberia aconselhar um caminho certo. Também não saberia aconselhar um caminho que fosse alheio ao que eu próprio já escolhi pra mim.

O que falarei a seguir – embora não sejam palavras minhas, mas de Nietzsche – tá inscrito em meu tecido mais profundo. Penso que essas palavras podem ser úteis pra vocês, caso vocês saibam dar ouvidos a ela.

Sobre como conduzir a vida:

“Se, em tudo aquilo que queres fazer, começares a te perguntar ‘será que quero mesmo fazê-lo em um número infinito de vezes?', isso será para ti o centro de gravidade mais sólido. Minha doutrina ensina: vivas de tal maneira que devas desejar reviver; é o dever. Aquele cujo esforço é a alegria suprema, que se esforce. Aquele que ama antes de tudo o repouso, que repouse. Aquele que ama, antes de tudo, submeter-se, obedecer e seguir, que obedeça. Mas que saiba bem aonde vai sua preferência e que não recue ante nenhum meio. É a eternidade que está em jogo. Essa doutrina é amável para com aqueles que não acreditam nela. Ela não possui nem inferno, nem ameaças. Aquele que não acredita sentirá, em si, apenas uma vida fugaz.”

Sand e Thiago,

Eu não desejo a vocês uma vida fugaz.

Vivam como se desejassem reviver um número infinito de vezes.

Não recuem ante nenhum meio.

A eternidade está em jogo.


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* Discurso feito pelo padrinho Vitor para os recém-casados, Sand e Thiago, em 21/02/2015.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Inventando racismo na TV


Em um evento do PIBID/Filosofia/UFRRJ, intitulado “A aula de Filosofia: debatendo propostas para o Ensino Médio”, em 2014, foram apresentados vários trabalhos que meus colegas de curso vêm desenvolvendo em sala de aula. Dentre eles, um sobre feminismo causou uma pequena discussão, não pelo conteúdo do projeto nele mesmo, mas pelo uso, durante a apresentação, de um impertinente verbo, considerado inadequado por alguns presentes. A colega que estava apresentando o trabalho, em determinado momento, soltou algo do gênero “O nosso objetivo era fazer com que o assunto fosse discutido de forma acessível, mas sem prostituir a filosofia”. Pronto. O projeto desenvolvido foi esquecido e os comentários se voltaram para a palavra maldita.

– A palavra é ofensiva nela mesma, e também o fato de ela ser alguém que está pesquisando o feminismo não permite que use esse tipo de vocabulário –, defendeu outra colega, em conversa particular.

– Ela, antes de tudo, de pesquisadora inclusive, é estudante de filosofia, filósofa até. Usar palavras é o que fazemos em filosofia, e o uso provocativo é um deles. Assim mesmo, o contexto em que ela a utilizou não foi provocativo – defendi eu, à época.

Penso que duas premissas estão implícitas no argumento da colega:
1) Não é dado a um pesquisador utilizar sem cuidado um vocabulário, tanto por implicações conceituais quanto por implicações sociológicas;
2) Há palavras cujo teor ofensivo não depende de contexto.
Concordo com a primeira premissa implícita. Não tenho o que lhe acrescentar, ainda que pense que, ao caso, ela não se aplique, pela razão já alegada. Com a segunda premissa, entretanto, tenho reservas (mas volto a ela, em alguns parágrafos).

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Aforismos nietzscheanos




DE FATO

O seu maior desafio é dizer algo "de fato" que não pressuponha algo "de valor". Por mais que tente, a sua mediocridade sempre falará antes que a sua boca quando você tentar dizer algo sobre o "mundo".

AVALIAÇÃO

O homem é o animal que avalia e, portanto, que valora. Não, porém, como um juiz -- supostamente imparcial --, mas sempre como uma das partes, ré ou requerente. Dizer algo de fato nunca está dissociado de requerer algo de direito. O discurso sobre o "mundo" é sempre uma petição carregada de valores.

FILÓSOFA RAINHA

Havia uma filósofa rainha que,de tão libertária, não aceitava que a qualquer indivíduo fosse imposta qualquer tipo de crença. Foi quando ela encontrou a solução: proibiu todos os pais de criarem os filhos de acordo com suas particularidades. "Tudo pela liberdade"!

NÃO TER ASAS

O que significa não ter asas? - ser rigoroso! - afirma o ourives de conceitos. Ora, ourives, não confunda impotência com austeridade, você que tanto gosta de conceitos. O austero não voa porque é rígido, inflexível e não porque não queira voar. Não é uma escolha sua. Ainda que tivesse asas cheias de penas, o austero não passaria de um penoso -- no máximo um penado -- jamais seria um pássaro.

PENA

Há quem colecione penas para voar: Ícaros. Há quem colecione penas para o próprio pesar. - mas Ícaro morreu ao chegar perto do sol - diz o penado. Tire a adversativa da oração e do coração e diga, com orgulho: "Ícaro morreu ao chegar perto do sol!". Você no máximo morrerá de mais uma pena -- a que sentirão de você.

EICHMANN

- Ousai saber! Mas não se atreva a desobedecer - disse um kantiano entre os nazis.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A suspeita de Skylab



Diante da chacina que aconteceu em Paris com a revista Charlie Hebdo, na semana passada, é compreensível que tenha havido identificação em massa com uma bandeira digna de ser levantada, como é o caso da liberdade de expressão. É igualmente compreensível que tenha havido identificação com a defesa do direito de não ser ofendido e preocupação com os efeitos nefastos decorrentes de sua violação -- principalmente em contextos geopolíticos delicados. É preciso se posicionar em relação ao acontecido -- disso não há dúvida. Não se deve esquecer, porém, o quão importante é suspeitar dessas posições.