sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Megafilmeshd.net e nossa relação com a lei



Estão circulando vários memes sobre a prisão dos responsáveis por serviços de exibição de filmes na internet, como o megafilmeshd.net e o popcorn.com. Para quem não sabe, nessas empresas, a exibição é ilegal, porque são sites piratas.

Os mesmos memes comparam, com revolta, a prisão dos responsáveis pelos sites com a ausência de prisão dos responsáveis da quebra da barragem em Mariana/MG. Prenderam uns; por que, então, não prendem outros?

Parece ser uma revolta legítima. A lei, afinal, tem que ser aplicada a todos. Mas é essa a motivação dos que compartilham o meme?

Penso que não.

A mentalidade dos que compartilham o meme é a minha e a sua, nós que somos brasileiros ordinários (em toda a semântica que a palavra "ordinários" comporta). Reflete nossa relação com a lei. A mesma relação com a lei que nos faz identificar corrupção naqueles que detém muito poder e não enxergar problema algum em pequenos delitos que fazemos no dia a dia.

Violar a lei para quem não tem poder nas mãos (isto é, para nós) é permitido. Violar a lei para quem esbanja privilégios não pode. Eu sei que é um modo de pensar bastante apelativo, não é, não? Caramba, o cara lá tem tudo e eu não tenho nada; se eu fizer, nada vai acontecer, se ele fizer, o estrago é bem maior; as consequências do meu ato são irrelevantes, as consequências do ato dele são desastrosas.

Diz a verdade: é assim que pensamos (se e quando pensamos). Ao contrário de pensarmos "A lei deve se aplicar a todos" como bradam nossos avatares no Facebook, queremos mesmo dizer é que "A lei para aqueles que tem mais poder que eu tem que ser mais severas do que são para mim". Eu sei, eu sei. Confesso que penso assim o tempo todo.

Confesso que uso dos serviços desses sites piratas. E, por consequência, tenho que confessar que participo do crime. Ué, como não?

A diferença entre uma comunidade (não quero dizer sociedade, nem nação) que se pretende de altos termos civilizatórios (países nórdicos europeus, por exemplo) e a nossa não é que lá não haja quebra da lei. Em toda comunidade há quebra da lei. A própria existência da lei pressupõe que haja quebra -- para que estabelecer como crime o homicídio se não existem homicidas? A diferença é que, quando há quebra e consequente responsabilização daquele que quebrou, o cidadão aceita as consequências. Ele aceita que há algo que está além dele e dos demais, enquanto indivíduos, e que tem que ser cumprido. Não há relativização do tipo "Ah, fulano também fez a mesma coisa que eu e não foi pego, portanto eu não mereço ser punido até que ele seja".

Nossa relação com a lei é exatamente essa que fechou o parágrafo precedente. Pensamos de todo coração que enquanto todos os outros que cometeram o delito que cometemos não forem responsabilizados, não há justificativa para que o sejamos nós. Quando se trata de nossos atos, desvinculamos responsabilidade do ato mesmo do delito. Sabe o moleque do Ensino Básico que diz "Professora, é injusto a senhora estar chamando minha atenção quando tá todo mundo fazendo a mesma coisa"? É isso.

O erro só é erro quando todos aqueles que erraram são igualmente punidos, pensamos.

Só que isso é impossível, né, amigão? O que não queremos confessar é que esse estado de coisas em que existe uma instituição tão poderosa que possa punir todo e qualquer culpado nunca existiu e nunca vai existir. A História nos auxilia a olhar o passado e encontrar regimes totalitários que pretenderam exatamente controlar até a quantidade de papel higiênico que a população deveria usar (mas sempre tinha alguém com disfunção intestinal para estragar os planos do tirano). A ficção científica nos ajuda a imaginar o futuro e perceber o quanto é ridículo querer uma sociedade que não tenha crimes e o quanto é impossível responsabilizar a todos.

Na superfície (não suporto dizer "No fundo"), a mentalidade do aluno de Ensino Básico é a nossa, amigão, a do brasileiro ordinário. Nos resolvemos psicologicamente, nós, aqueles que não tem poder, dizendo que o nosso delito vale, mas o do outro não, porque as consequências nossas são insignificantes em relação às dele.

Mas advinha qual é o mecanismo que ele usa, o outro, o que tem poder pra caramba, o cara que está sendo acusado de corrupção em todos os jornais e em alguns tribunais do País. O mecanismo é o mesmo: "Vou fazer isso aqui porque ninguém vai perceber, as consequências vão ser irrelevantes".

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