sábado, 31 de dezembro de 2011

A moral na mão das mulheres




A competitividade entre meninos é algo curioso: algumas vezes aquele que sempre quer ganhar perde, e aquele que nem cogitava da questão acaba pagando de herói. Nem sempre, porém, a situação é dualista dessa forma. Algumas vezes não ganha nenhum dois dois. Há casos em que quem tira vantagem é um terceiro. Neste caso, terceiras. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Deixa de ser viadinho!


Este, apesar de ser menina, é o típico "viadinho"


Há situações de nossa infância que formam a base necessária para um bom convívio social que só vamos perceber depois de algum tempo. Se não aprendemos com elas quando pequenos, o relação em grupo depois de adulto se torna uma tarefa difícil. É claro que nem sempre isso se dá de uma maneira soft. Quando crianças, quase não lhe atribuímos valor. Achamos péssimo até, dada a rispidez com que frequentemente acontecem. Porém, uma vez crescidos e aptos a revisitar a situação, percebemos que foram momentos essenciais e que não poderiam se dar de forma diferente. É o caso de eventos em que frases do tipo "Deixa de ser viadinho!" acontecem.

Lembro de pelo menos dois casos que ilustram o modo peculiar e ao mesmo tempo universal em que aprendi regras éticas básicas que construiram minha personalidade. O primeiro caso trata de não deixar os amigos na mão e de cuidar dos seus próprios problemas; o segundo, de não reclamar por coisa pequena. Todos eles tem em comum a lição de aprender com o que fez de errado e nunca mais voltar a fazer. A frase mágica que me fez lembrar dessa reprimenda é o "Deixa de ser viadinho!"

O primeiro se deu numa das memoráveis tardes em que jogava bola na rua. Reunia-se aquela matilha de meninos - e meninas às vezes - para jogar futebol. Qualquer coisa servia de trave, até pedaço de tijolo quebrado. Usavamos tanto para demarcar o gol quanto para riscar o chão e desenhar as linhas de meio-de-campo e de escanteio. Ao final da brincadeira, quando não tinhamos dinheiro, revesavamos quem de nós iria em casa e pegaria água para os restantes; quando tinhamos alguma grana, faziamos uma cota e compravamos bolacha recheada Parmalate com Coca-Cola. Repartir era comum, mas sempre havia aquela disputa para pegar mais bolachas ou a maior quantidade de refrigerante. Nessa hora, exercitavamos sem saber a lealdade para com o grupo ao mesmo tempo que aprendiamos a não medir força com quem era mais forte - ser leal e prudente, ao final de contas. Porém, havia casos, fora do contexto do final da pelada, quando voltavamos da escola ou coisa do tipo, em que iamos até a mercearia mais próxima e compravamos individualmente nossa própria bolacha e nossa própria Coca-Cola. Quando conseguiamos não encontrar nenhum colega do caminho da taberna até a casa, tudo bem. Mas quando encontravamos, era certeiro: tinhamos que dividir o lanche. Sempre alguém pedia, poderia até não estar com fome na hora, mas pedia. E tinhamos que dar, porque do contrário, quando chegasse na hora da partilha, seriamos vistos como egoístas. Uma vez, porém, antes de saber disso, eu cai na besteira de negar bolacha para um colega.

Estava eu e mais outro saindo da mercearia quando a uns poucos metros avistamos o Danilo, garoto mais velho que morava a umas casas de distância rua abaixo. Trocamos olhares os três, quando o Danilo pediu:

- E ai, Cabeça, me dá uma bolacha?

Eu, fominha e com fome, disse:

- Eu não, cara. Vai comprar uma pra ti. Eu to com fome e nem merendei ainda.

Ele me olhou com uns olhos de "Pode deixar que eu te pego depois..." e me deixou ir. Eu, meu amigo e meu pacote de bolacha juntos com a Coca-cola seguimos. No outro dia, a lição se deu. Era a hora da bola. Brincamos e no final ninguém tinha dinheiro, exceto o Danilo. "E agora?", pensei, "Como é que eu vou participar?" Segui com minha cara de pau. Até que chegou a hora de comermos, e o Danilo falou:

- Todo mundo vai comer, menos o Cabeça.

Eu fiz menção de protestar, no que ele prontamente me interrompeu:

- Cala a boca se não tu vai levar o teu já, já.

No que eu provoquei, teimosamente:

- Vem, se tu é macho!

Ele, mas rápido e forte, levantou antes que eu, mais pesado e fraco, pudesse reagir e me deu um sonoro tapa na cabeça. E logo após começou aquela sinfonia de vaias e provocações dos meninos ao redor - pressentindo cheiro de briga, menino é pior que cachorro quando está em bando.

Eu, já com lágrimas nos olhos, disse que iria contar para minha mãe.

Para que eu fiz aquilo?

Começou a zoação, e dentre as frases mais ouvidas estava:

- Deixa de ser viadinho! Vai contar pra tua mãe, vai, seu viadinho!

O segundo caso é mais rápido e também aconteceu no contexto do futebol.

Faltas são comuns em um jogo - essenciais eu diria, dado que sem elas a disputa seria muito menos emocionante. Porém, sempre há aquelas que machucam mais que outras. Os menos habituados ou os novatos sempre pedem arrego quando se veem diante de uma dessas. Comigo não foi diferente.

Numa das disputas, eu sofri reiteradas faltas e, à medida que o tempo ia passando, meu sangue ia chegando perto do ponto de ebulição. Até que na última falta, explodi e empurrei o colega. Ele, como o Danilo, mais forte que eu, deu-me uma rasteira que me fez cair de bunda. Aquilo doeu em dobro, porque, além da dor física, deixou-me numa posição jocosa que provocou riso geral. Com isso, a dor no corpo passou e veio a dor da vergonha. Enevitável: chorei.

Para que eu fiz, novamente, aquilo?

Veio a já habitual sinfonia:

- Olha o filhinho da mamãe.

- Deixa ele, que ele não sabe brincar, não.

- Além de esquentadinho é chorão.

Até que o mais implacável de todos, inflexivelmente, veio:

- Deixa de ser viadinho! Vai embora que ninguém quer brincar com chorão aqui, não!

À primeira vista, as duas situações acima descritas podem parecer, no vocabulário corrente, bulling. E podem até ter sido! Todavia, ao invés de causar traumas, fizeram-me entrar num círculo ético e vivenciar valores que dificilmente os meus pais ou qualquer escola lograriam êxito em ensinar. Lealdade, solidariedade, não-egoismo, cuidar dos próprios prblemas, não reclamar de coisas pequenas, agir conforme o contexto são coisas essenciais para qualquer ser humano. Os que nunca ouviram o "Deixa de ser viadinho!" ou coisa parecida dos seus pares quando criança, uma vez adultos tornam-se pessoas que, no limite, não sabem se comportar em grupo. Isso são coisas que se adquirem na primeira infância, e a maneira peculiar de aprender não pode ser diferente.

Enfim, quando alguém, hoje, confunde o "Deixa de ser viadinho!" com uma ofensa homofóbica (como se houvesse alguém saudável que ainda se ofendesse em ser chamado de viado [!]), isso me deixa triste e irritado. Triste porque eu sinto o fato da pessoa não ter vivenciado experiências que lhe teriam permitido ser alguém com um trato social mais sofisticado. Irritado, posto que sei que estou diante de um chato que pode ser melhor descrito como "o ofendidinho". Pessoas assim não percebem que sofrer alguma admoestação de vez em quando é saudável, mesmo quando já se é adulto. Afinal de contas, sempre é hora de deixar ser viadinho.

domingo, 25 de setembro de 2011

Mina quer atenção




Mina quer se comunicar e não consegue. Deita-se ora ao lado dele, ora à frente dele, ora sob ele. Faz de tudo para que, em virtude da posição em que se coloca, ele a entenda. Não quer, em absoluto, exigir algo. Só deseja, sutilmente, fazer com que ele a compreenda. Uma tal arrogância pouco amistosa não é de sua natureza. Mina é mais amiga que um companheiro de infância.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Golpe de calor

John Cage (1912-1992) descansando


Manaus. Junho. Quase uma hora da tarde. Não árvores; não prédios altos. Ventos, levaram-los todos. Sol: algoz perante uma calçada. Esta: um pelourinho horizontal onde se arrasta, quase prostrado, um vetusto cidadão à procura de sombra. Chicotadas de luz estalam-lhe surdamente nas cotas.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

A objetividade da memória no depoimento da testemunha

A persistência da memória de Salvador Dalí

Vitor Lima, acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas

A temática da memória da testemunha está inserida no contexto maior da Psicologia do testemunho. Esta começa quando alguém experiencia um fato ou ato de relevância para o Direito. O problema maior que se tem – em relação ao aspecto jurídico-processual, tendo em vista que a testemunha é considerada um meio de prova (art. 212, CÓDIGO CIVIL) – é a delimitação da possibilidade do depoimento verossímil. Em se tratando desse aspecto, é costumeiro levar-se em conta quão objetiva a narração testemunhal pode ser considerada – quanto mais objetiva, mais confiável.

A confiabilidade da memória, isto é, seu grau de objetividade depende de vários fatores; aqui, trataremos esse tema sob um ponto de vista epistemológico. Se a memória for compreendida como um aparato mental (sujeito) que, através de reminiscências – à moda do platonismo –, trás à tona um fato puro (objeto); adota-se, então, uma posição que afirma ser possível o depoimento objetivo, independente do caráter subjetivo, já que a verdade independe do sujeito. Se, por outro lado, nega-se a independência do fato puro e entende-se que o processo de cognição se dá através de interpretação que ocorre tanto na cognição dos acontecimentos quanto na formação da memória (e, por conseguinte, da rememoração), então tem-se que o depoimento objetivo puro não é possível, restando uma dose predominante de subjetivismo.

Quando se adota um ponto de vista epistemológico objetivista, acredita-se que os fatos existem de modo independente do sujeito cognoscente. Parte-se, portanto, da concepção de que o fato puro é possível, de que a verdade é única; se há erro, é em decorrência de algum ruído comunicacional produzido pelo sujeito – a testemunha, no contexto aqui analisado. Quem adota esse posicionamento faz perguntas do tipo “A testemunha pode comunicar o significado real de um acontecimento?”, ou ainda “A testemunha possui habilidade apropriada para observar um acontecimento?”. Em relação ao aspecto jurídico-processual – posto que, para essa posição, a verdade é única – busca-se verificar se há correspondência entre o que a testemunha relata é o que realmente aconteceu.

Quanto se adota a outra posição, a de que não há objeto independente do sujeito, não se busca a correspondência do que é alegado pela testemunha com os fatos. Isso porque não se leva em consideração o fato – entendido epistemologicamente como o objeto puro que independe do sujeito cognoscente. Nessa perspectiva, é antes considerada a lógica interna do discurso apresentado. Pergunta-se, então, algo como “As afirmações da testemunha parecem muito improváveis? Contrariam as leis da física ou entram em conflito com os dados que já se possui?”; ou ainda: “Há alguma contradição interna no depoimento?” Poderia ser levantado como objeção a esse panorama que, por conceder primazia ao sujeito, admite a introdução de distorções nos fatos. Como resposta a esse questionamento, poderia-se dizer que ele baseia sua contraposição na existência do fato – epistemologicamente entendido como o objeto puro. Uma vez que a posição que dá primazia ao sujeito não o reconhece, não há o que questionar. De modo efetivo, o que a posição contrária não admite é que não há fato em si (tal qual a Forma platônica). Não há um fato a espera de quem o conheça; há a construção intersubjetiva do mesmo. Não há distorções; poderá, sim, haver, contradição interna, incoerência.

De fato, para a prática jurídico-processual, esse último aspecto é mais útil. Uma vez que ali a verdade é antes argumentativa e justificatória que uma correspondência com o “mundo real”, não há utilidade em se falar em fato, mas em argumentação mais convincente. Essa ideia é comumente expressada pelo brocardo “o que não está nos autos, não está no mundo”. Com efeito, não há como a autoridade pública ter acesso ao que um objetivista chamaria de “o modo como as coisas são” ou “a realidade como ela é”. Esses termos são indiferentes à jurisdição. Então, cabe às partes a apresentação de argumentação persuasiva com a finalidade de que sua pretensão seja considerada verdadeira e, por conseguinte, seja deferida. Persuasão entendida como o uso de todos os meios lícitos disponíveis – apresentação de meios de prova, ação processual tempestiva, escrita elegante etc – para que seja alcançado uma reivindicação. A verdade, então, não é considerada como algo único, à espera de um sujeito cognoscente que lhe apresente de uma forma comunicacional perfeita. Ela é antes construída de forma que mais satisfaça às necessidades do que se busca obter.

Voltando à problemática da testemunha, já que não há verdade objetiva – no sentido epistemológico positivista –, então há de se cuidar das condições em que se dá o depoimento testemunhal, de modo a assegurar-lhe a coerência. De modo esquemático, podemos resumir o processo de relato de uma testemunha desta forma:
Em primeiro lugar, obviamente, o individuo percebe um determinado evento. A seguir, a experiencia fica armazenada em sua memória. A terceira etapa ocorre quando a pessoa busca acessar as informações retidas em sua memoria. Para que um testemunho seja obtido, não basta apenas haver uma lembrança do evento, e preciso que o individuo possua habilidades para expressa-lo de alguma maneira compreensível. Logo, a quarta etapa envolve a capacidade do sujeito de comunicar aquilo que esta retido em sua memoria. (FEIX, 2009, p. 10)
É a partir dessa quarta etapa que entram aspectos que, de modo propriamente psicológico, podem interferir no bom andamento do depoimento confiável. Itens externo e interno podem ser citados. Quanto ao primeiro, tem-se, por exemplo, a intimidação, o tempo e o lugar da declaração, os instrumentos de gravação adequados. Quanto ao segundo, tem-se, de modo relevante, a intenção da testemunha ao depor; é válido perguntar, então, algo como “A testemunha é indiferente ao que está sendo relatado, então provavelmente não distorcendo os fatos?” Há uma pesquisa nesse sentido, publicada na Applied Psychology in Criminal Justice, que procedeu deste modo: “Participants watched a videotape depicting a street robbery and completed a questionnaire relating to their recall of the stimulus.”1 E depois, de modo previsível, chegou-se a esta conclusão:
[the] recall would be biased as a result of motivation to reduce threat posed by viewing a similar victim not engaging in culpable behavior. Results showed that those who viewed a similar victim who was not culpable tended to exaggerate the distance between the criminal and the victim and the duration of the incident. The results are consistent with the assumption that such biased recall allowed participants to reduce the threat by blaming the victim for not taking advantage of the opportunity to avoid the victimization. (MARSH, 2006)2
 A visão que a testemunha tem da vítima influencia na narração do fato; o aspecto interno tem grande influência sobre a objetividade de seu depoimento. Quanto à influência externa, podemos citar outra pesquisa, publicada na Cognitive Psychology. Um dos exemplos mostrados no estudo é este, citando Harris, R. J.:
His subjects were told that “the experiment was a study in the accuracy of guessing measurements, andthat they should make as intelligent a numerical guess as possible to each question” (p. 399). They were thenasked either of two questions such as, “How tall was the basketball player?”, or, “How short was the basketballplayer?” Presumably the former form of the question presupposes nothing about the height of the player, whereas the latter form involves a presupposition that the player is short. On the average, subjects guessed about 79 and 69 in. (190 and 175 mm), respectively. (LOFTUS, 1975, p. 1 e 2)3
Prosseguindo, outro estudo similar é apresentado:
For example, “How long was the movie?”, led to an average estimate of 130 min, whereas, “How short was the movie?” led to 100 min. While it was not Harris’ central concern, his study clearly demonstrates that the wording of a question may affect the answer. (Idem, p. 2)4
O vocabulário de um questionário pode influenciar na resposta de uma testemunha; o aspecto externo não deve ser desconsiderado na hora da aferição da objetividade do depoimento. Quanto ao outro aspecto propriamente psicológico, ficou demonstrado que o aspecto externo também é determinante.

Dessa forma, argumentamos que não há, relativamente ao contexto jurídico-processual, que se preocupar com a verdade. Esta entendida epistemologicamente do ponto de vista objetivista. A preocupação que se faz útil é quanto à justificação mais adequada para conseguir a persuasão do poder público para que defira a pretensão. Isso não significa abrir mão da objetividade e dar acesso a uma distorção dos fatos. Estes não são mais entendidos como realidade independentes do sujeito cognoscente, mas como uma construção dele. Partindo dessa concepção, há de se cuidar das condições em que se dá o depoimento testemunhal; aqui são levadas em consideração as questões propriamente psicológicas. Itens internos e externos ao sujeito/testemunha são considerados, nenhum deles menos relevante que o outro. Para entender melhor a objetividade da testemunha – entendemos – esses conceitos precisam ser cada vez mais manuseados e aplicados na prática jurídica.

Referências

BRASIL, República Federativa do. Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm.

FEIX, Leandro, PERGHER, Giovanni, STEIN, Lilian. Desafios da oitiva de crianças no âmbito forense. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidencia da Republica, 2009. 77p. Disponível em http://www.iin.oea.org/iin/Novedades%20de%20los%20Estados/Brasil/Livreto%20Simposio%20Internacional.pdf.

LOFTUS, Elizabeth F. Leading Questions and the Eyewitness Report. Cognitive Psychology, 1975, 7, 550-572. Disponível em http://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.89.2703&rep=rep1&type=pdf

MARSH, David P. and others. The Influence of eyewitness similarity to a crime victim and victim culpability on eyewitness recall. Applied Psychology in Criminal Justice, 2006, 2, 1, 44-56. Disponível em http://www.apcj.org/documents/2_1_eyewitness.pdf.


1“Os participantes assistiram a um vídeo mostrando um assalto na rua e completaram um questionário relatando suas recordações a respeito desse estímulo.” (tradução nossa)


2“[o] relato seria tendencioso, como resultado da motivação para reduzir a ameaça representada pela visão de uma vítima não engajada na pratica de um comportamento culpável. Os resultados mostraram que aqueles que viram vítimas similares que não eram culpáveis tenderam a exagerar não só a distância entre o criminoso e vítima, como a duração do incidente. Os resultados são consistentes com a hipótese de que tal relato permitiu aos participantes reduzir a tentação de culpar a vítima por não aproveitar a oportunidade de evitar a vitimização.” (tradução nossa)


3“Seus estudos informaram que "o experimento foi um estudo sobre a precisão das medições de adivinhação, sendo que deveria ser feito como um palpite inteligente numéricamente possível para cada questão"(p. 399). Eles foram, então, inquiridos com duas perguntas, tais como "Qual alto era o jogador de basquete?", ou "Quão pequeno era o jogador de basquete?" Presumivelmente, a primeira forma da pergunta pressupõe nada sobre a altura do jogador, enquanto a última forma envolve um pressuposto de que o jogador é pequeno. Em média, os palpites variavam entre 190 e 175cm, respectivamente.” (tradução nossa)


4“Por exemplo, "Quão longo foi o filme?", levou a uma estimativa média de 130 min, enquanto que, "Quão curto foi o filme?"levou a média de 100 min. Enquanto ele não era a preocupação central de Harris, seu estudo demonstra claramente que o texto de um questionário pode afetar sua resposta.” (tradução nossa)

Transtornos de personalidade e culpa no Direito Penal




Introdução 1. Imputabilidade penal 2. Culpabilidade 3. Transtorno de personalidade 4. Culpabilidade de agentes com transtorno.  Conclusão

1.

Para que haja culpa de um agente criminoso é preciso que antes haja imputabilidade. A aferição desta está diretamente relacionada às capacidades de intelecção e volição do agente de um ilícito. Dependendo do funcionamento adequado de tais faculdades, poderá não ser atribuída sanção alguma ao agente criminoso. Existem várias causas de exclusão de imputabilidade, dentre elas a doença mental; o desenvolvimento mental incompleto; o desenvolvimento mental retardado e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Dentre esses, este artigo tratará de um caso particular que é causa não de imputabilidade, mas de redução de culpabilidade; tal caso é o decorrente dos transtornos de personalidade.

2.

Para o Direito Penal, via de regra, para que alguém pratique um crime é bastante que pratique fato típico (enquadrado em legislação penal) e antijurídico (contra o ordenamento vigente). Àquele que incorre em tal prática é imposta uma sanção, sendo as duas mais notórias a pena de detenção e a de reclusão. Uma das exceções a essa regra são os inimputáveis, aqueles aos quais, mesmo reconhecidos como criminosos, não é atribuída uma pena. O art. 26 do Código Penal assevera:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, no tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

É preciso portanto que o agente criminoso entenda a ilicitude do ato praticado (isto é, possua capacidade intelectiva adequada) e que, tendo isso por norte, se auto-determine adequadamente (isto é, possua a capacidade volitiva correspondente). Só assim se cogitará em atribuir-lhe alguma sanção. Para a quantificação dessa sanção, é computado o grau de culpa do agente.

3.

Para Mirabete, culpabilidade é um “juízo de reprovação” e “somente pode ser responsabilizado o sujeito quando poderia ter agido em conformidade com a norma penal” (MIRABETE, 2002:209). A imputabilidade, de acordo com esse raciocínio, torna-se um pressuposto para a culpabilidade. Isto porque é imprescindível saber quando se pode atribuir (imputar) ao agente a prática de um crime, para que seja possível apurar a censurabilidade (culpa) de sua conduta.

No mesmo sentido, a família Delmanto, ao explicar a natureza da imputabilidade, afirma que é

uma das causas de exclusão da culpabilidade. O crime persiste, mas não se aplica pena, por ausência de reprovabilidade. O art. 26 declara que “é isento de pena” (em vez de não há um crime), indicando que o crime subsiste, apenas seu autor não recebe pena, por falta de imputabilidade que é um pressuposto da culpabilidade. (DELMANTO, 2002:52)

Como já visto, é possível afirmar que, havendo imputabilidade, os graus de culpa variam em decorrência da capacidade intelectiva e volitiva do agente de um ilícito. É assim que se pode afirmar, junto com o art. 26, que há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Isso pode ser sustentado mesmo que, para alcançar esse grau de conhecimento e de auto-determinação, seja preciso um esforço maior que o normal por parte do agente. Isso se dá, por exemplo, nos casos de agentes que sofrem de transtorno de personalidade.

4.

O transtorno de personalidade é um tipo de perturbação da saúde mental. Como lembra Delgalorrondo, historicamente foi associado à “insanidade moral”, à “neurose de caráter” e a termos mais técnicos como “psicopatia”. Ainda segundo o autor (DELGALORRONDO, 2008:268), de acordo com a classificação atual da Organização Mundial da Saúde de 1993, a Classificação Internacional de Doenças – CID-10, tal transtorno é definido por uma série de características e pode ser organizado em três conjuntos de acordo com o comportamento das pessoas neles contidas: a) esquisitos e/ou desconfiados; b) instáveis e/ou manipuladores; c) ansiosos e/ou controlados-controladores.

J. A. Garcia se pronuncia afirmando que

os transtornos de personalidade ocupam a zona limítrofe entre doença mental e a normalidade psíquica, já que, embora tenham compreensão da criminalidade de seus atos, não tem a necessária capacidade de inibição ou autodeterminação, devendo ser enquadrados no parágrafo único do art. 26

5.

Assim sendo, porque possuem, embora diminuídas, certas compreensão (capacidade intelectiva) e autodeterminação (capacidade volitiva), os agentes com transtorno de personalidade são imputáveis, embora com grau de culpa menos que o de uma pessoa com pleno funcionamento de suas faculdades. Esses agentes se encaixam no que a doutrina, nas palavras de Fernando Capez, chama de “semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída”. É o caso em que o “agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais.” (CAPEZ, 2005:308)

Referindo-se à legislação, essa questão está contida no parágrafo único do art. 26 do Código Penal:

A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (itálico meu)

Esse trecho trata do entendimento reduzido, caso do transtorno de personalidade. Entende-se que se o agente se deixa levar pela conduta criminosa impulsionado por essa enfermidade, na hora de quantificar sua pena, o juiz deve ter em conta que “sua capacidade de resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em um sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição da reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade.” (MIRABETE, 2002:213)

6.

Dessa forma, a imputabilidade penal pode ser considerada um pressuposto da culpabilidade. Esta varia em graus, a depender da capacidade das faculdades intelectivas e volitivas do agente criminoso. Vários casos podem comprometer tais faculdades, isentando por completo o agente criminoso. Vários casos podem comprometer tais faculdades, isentando por completo o agente de qualquer sanção. Não é o que acontece nos casos de transtorno de personalidade. Nestes, o agente, com capacidade reduzida, entende sua atuação e é capaz de orientar-se de acordo com esse entendimento, portanto deve ser responsabilizado por sua conduta. O que acontece, levando-se em consideração seu estado patológico, é a diminuição na quantificação de sua pena.

Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: volume I: parte geral. 8° edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848.htm. Acesso em 03/05/11.

DELGALORRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2° edição. São Paulo: Artmed, 2008

DELMANTO, Celso e outros. Código penal comentado. 6° edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

GARCIA, J. A. Psicopatologia Forense. 2° edição. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1958.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 18° edição. São Paulo: Atlas, 2002.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Fábula dos galinhas e das formigas



O caseiro encheu a mão de milho e jogou no terreiro. Surgiram galinhas de todos os cantos do quintal a disputar o pouco milho da forma mais amontoada e desorganizada possível. Enquanto isso, no chão não muito longe dali, uma formiga, observando a balbúrdia, pergunta à outra:

– Como podem essas galinhas brigarem feito umas loucas por grãos tão pequenos, se eles são periodicamente jogados para que se fartem?

No que a outra respondeu:

– Apesar de ser parca a quantidade, o milho é o meio através do qual dá-se a sobrevivência destas miseráveis.

Assim também são os os seres humanos, ao acotovelarem-se na ínfima entrada do ônibus.

Professora sem coluna


 
Sentada à mesa, sob a indiferença de trinta seres humanos sentados a sua frente, a professora lê, lê e relê, tal qual uma ladainha cantada por escravas d'outro século.

terça-feira, 5 de abril de 2011

Feeling Sick


Bateu a porta com força quando saiu. “Vagabundo!”, pensou. Viu-se naquele corredor fino, cumprido e com paredes extremamente irregulares, tal como um intestino. Bufando como um touro que não consegue acertar o o algoz que balança o lenço encarnado, pressionou o botão que chama o elevador. Quinze segundos.

sábado, 2 de abril de 2011

Fábula de dois caramujos

Dois caramujos, outrora muito amigos, não se viam há muito tempo. Não que tivessem se desentendido, é que a Fortuna, a imperdoável das gentes, não os poupou e houve de separá-los. Percorreram paragens distantes daquela em que cresceram juntos. Conheceram outros tantos insetos diversos, sempre na velocidade que lhes é peculiar. Mas naquele dia, um como o de hoje, não se sabe se ensolarado se chuvoso, houveram de se encontrar. O primeiro, mais afoito, recordando da convivência que tiveram e da grande alegria que compartilharam, ultrapassou sua capacidade física e foi além de sua velocidade habitual para mais rapidamente encontrar o segundo. Este, mais prudente, mas não menos entusiasmado, também se dirigiu ao amigo.

Já a meia distância, prestes ao abraço caloroso e escancarado. O primeiro, na iminência do contato, em sua afoiteza, disparou:

– Caramba, rapaz, você andou sumido!

Assim é o tolo que, ao invés de alegrar-se da presença do amigo querido, faz questão de lembrar antes de sua ausência que compartilhar de sua companhia.