quinta-feira, 2 de junho de 2011

Transtornos de personalidade e culpa no Direito Penal




Introdução 1. Imputabilidade penal 2. Culpabilidade 3. Transtorno de personalidade 4. Culpabilidade de agentes com transtorno.  Conclusão

1.

Para que haja culpa de um agente criminoso é preciso que antes haja imputabilidade. A aferição desta está diretamente relacionada às capacidades de intelecção e volição do agente de um ilícito. Dependendo do funcionamento adequado de tais faculdades, poderá não ser atribuída sanção alguma ao agente criminoso. Existem várias causas de exclusão de imputabilidade, dentre elas a doença mental; o desenvolvimento mental incompleto; o desenvolvimento mental retardado e a embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior. Dentre esses, este artigo tratará de um caso particular que é causa não de imputabilidade, mas de redução de culpabilidade; tal caso é o decorrente dos transtornos de personalidade.

2.

Para o Direito Penal, via de regra, para que alguém pratique um crime é bastante que pratique fato típico (enquadrado em legislação penal) e antijurídico (contra o ordenamento vigente). Àquele que incorre em tal prática é imposta uma sanção, sendo as duas mais notórias a pena de detenção e a de reclusão. Uma das exceções a essa regra são os inimputáveis, aqueles aos quais, mesmo reconhecidos como criminosos, não é atribuída uma pena. O art. 26 do Código Penal assevera:

É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, no tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

É preciso portanto que o agente criminoso entenda a ilicitude do ato praticado (isto é, possua capacidade intelectiva adequada) e que, tendo isso por norte, se auto-determine adequadamente (isto é, possua a capacidade volitiva correspondente). Só assim se cogitará em atribuir-lhe alguma sanção. Para a quantificação dessa sanção, é computado o grau de culpa do agente.

3.

Para Mirabete, culpabilidade é um “juízo de reprovação” e “somente pode ser responsabilizado o sujeito quando poderia ter agido em conformidade com a norma penal” (MIRABETE, 2002:209). A imputabilidade, de acordo com esse raciocínio, torna-se um pressuposto para a culpabilidade. Isto porque é imprescindível saber quando se pode atribuir (imputar) ao agente a prática de um crime, para que seja possível apurar a censurabilidade (culpa) de sua conduta.

No mesmo sentido, a família Delmanto, ao explicar a natureza da imputabilidade, afirma que é

uma das causas de exclusão da culpabilidade. O crime persiste, mas não se aplica pena, por ausência de reprovabilidade. O art. 26 declara que “é isento de pena” (em vez de não há um crime), indicando que o crime subsiste, apenas seu autor não recebe pena, por falta de imputabilidade que é um pressuposto da culpabilidade. (DELMANTO, 2002:52)

Como já visto, é possível afirmar que, havendo imputabilidade, os graus de culpa variam em decorrência da capacidade intelectiva e volitiva do agente de um ilícito. É assim que se pode afirmar, junto com o art. 26, que há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Isso pode ser sustentado mesmo que, para alcançar esse grau de conhecimento e de auto-determinação, seja preciso um esforço maior que o normal por parte do agente. Isso se dá, por exemplo, nos casos de agentes que sofrem de transtorno de personalidade.

4.

O transtorno de personalidade é um tipo de perturbação da saúde mental. Como lembra Delgalorrondo, historicamente foi associado à “insanidade moral”, à “neurose de caráter” e a termos mais técnicos como “psicopatia”. Ainda segundo o autor (DELGALORRONDO, 2008:268), de acordo com a classificação atual da Organização Mundial da Saúde de 1993, a Classificação Internacional de Doenças – CID-10, tal transtorno é definido por uma série de características e pode ser organizado em três conjuntos de acordo com o comportamento das pessoas neles contidas: a) esquisitos e/ou desconfiados; b) instáveis e/ou manipuladores; c) ansiosos e/ou controlados-controladores.

J. A. Garcia se pronuncia afirmando que

os transtornos de personalidade ocupam a zona limítrofe entre doença mental e a normalidade psíquica, já que, embora tenham compreensão da criminalidade de seus atos, não tem a necessária capacidade de inibição ou autodeterminação, devendo ser enquadrados no parágrafo único do art. 26

5.

Assim sendo, porque possuem, embora diminuídas, certas compreensão (capacidade intelectiva) e autodeterminação (capacidade volitiva), os agentes com transtorno de personalidade são imputáveis, embora com grau de culpa menos que o de uma pessoa com pleno funcionamento de suas faculdades. Esses agentes se encaixam no que a doutrina, nas palavras de Fernando Capez, chama de “semi-imputabilidade ou responsabilidade diminuída”. É o caso em que o “agente é imputável e responsável por ter alguma noção do que faz, mas sua responsabilidade é reduzida em virtude de ter agido com culpabilidade diminuída em consequência das suas condições pessoais.” (CAPEZ, 2005:308)

Referindo-se à legislação, essa questão está contida no parágrafo único do art. 26 do Código Penal:

A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (itálico meu)

Esse trecho trata do entendimento reduzido, caso do transtorno de personalidade. Entende-se que se o agente se deixa levar pela conduta criminosa impulsionado por essa enfermidade, na hora de quantificar sua pena, o juiz deve ter em conta que “sua capacidade de resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em um sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição da reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade.” (MIRABETE, 2002:213)

6.

Dessa forma, a imputabilidade penal pode ser considerada um pressuposto da culpabilidade. Esta varia em graus, a depender da capacidade das faculdades intelectivas e volitivas do agente criminoso. Vários casos podem comprometer tais faculdades, isentando por completo o agente criminoso. Vários casos podem comprometer tais faculdades, isentando por completo o agente de qualquer sanção. Não é o que acontece nos casos de transtorno de personalidade. Nestes, o agente, com capacidade reduzida, entende sua atuação e é capaz de orientar-se de acordo com esse entendimento, portanto deve ser responsabilizado por sua conduta. O que acontece, levando-se em consideração seu estado patológico, é a diminuição na quantificação de sua pena.

Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: volume I: parte geral. 8° edição. São Paulo: Saraiva, 2005.

BRASIL, República Federativa do. Decreto-Lei n° 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/Del2848.htm. Acesso em 03/05/11.

DELGALORRONDO, Paulo. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. 2° edição. São Paulo: Artmed, 2008

DELMANTO, Celso e outros. Código penal comentado. 6° edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

GARCIA, J. A. Psicopatologia Forense. 2° edição. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti, 1958.

MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal. 18° edição. São Paulo: Atlas, 2002.

Um comentário:

Augusto Lima disse...

A confusão tá formada se o procurador de um "transtornado" apresentar testemunho "tendencioso" na construção de sua defesa.

Parabéns!
Seu trabalho apresenta uma boa construção teórica e argumentativa, digna de um acadêmico.