quinta-feira, 18 de junho de 2015

Filosofia: razão e fé


Greg Ganssle
Universidade de Yale

É uma ideia muito popular a de que fé e razão são opostas. Assim, se sustento algo baseado na fé, não é o caso que eu tenha também boas razões para sustentar isso. Ou, se argumento sobre algo, não é o caso que eu tenha fé. Algumas das razões porque é difícil hoje relacionar fé e razão tem a ver com o modo como falamos sobre o que acreditamos.

Usaremos sentenças como as seguintes.
Eu acredito que George Washington existiu.
Eu acredito que sorvete é gostoso.
Eu acredito em reciclagem.
Eu acredito em Deus.
Perceba que as várias sentenças que usei utilizam-se da palavra acredito. Mas frequentemente usamos essa palavra tanto no sentido de acreditar que quanto no de acreditar em.

Então, quando digo que acredito que George Washington existiu, tomo a sentença “George Washington existiu”, e acredito que essa sentença é verdadeira. O que acredito nessa sentença ou é verdadeiro ou é falso. Estou correto sobre minha crença ou estou errado sobre minha crença. Agora quando falamos sobre acreditar em, fica muito mais complicado. Eu acredito na Constituição. Isso significa o que? Não significa que acredito que a Constituição existe, embora eu acredite. Precisa significar outra coisa. Significa algo como eu tenho confiança na Constituição ou que eu penso que é uma boa coisa ou que eu confio nela.

“Eu acredito em reciclagem” é até mais complicado. Tem que significar mais que eu acredito que reciclagem existe ou que eu acredito que é bom reciclar, porque eu poderia dizer a você que eu acredito que é bom reciclar. Mas se eu nunca reciclei, você poderia dizer, “Eu não acredito mesmo em reciclagem”. Dizer “Eu acredito em reciclagem” é dizer que estou comprometido com uma certa prática. A prática de reciclagem. Então, quando dizemos eu acredito em, isso é muito complicado.

Eu acredito que tem a ver com fazer certas alegações, e essas alegações são ou verdadeiras ou falsas. A razão tem muito mais a ver com a alegação eu acredito que. É quando posso trazer evidências que a sustentem. Eu acredito que George Washington existiu. Há muita evidência em relação a isso. Vez ou outra eu carrego uma nota de 1 dólar, e ele figura na nota de 1 dólar. Ou ainda, fui a Washington, DC, e visitei os arquivos e vi sua assinatura nos documentos. Tudo isso são partes de evidência que podem creditar a alegação de que eu acredito que George Washington existiu é verdadeira. A razão pode ser chamada a sustentar sentenças do tipo eu acredito que.

Agora, quando alguém diz eu acredito em Deus, o que isso significa? Significa, sim, que eu acredito que Deus existe, mas também significa algo mais. Para muitos, significa não só, sim, eu acredito na alegação de que Deus existe, mas, de algum modo, que Deus é uma parte importante de minha vida. Eu tenho compromisso com Deus, de algum modo. E esse é um tipo de ambiguidade. Pense você que ambiguidade significa que a sentença pode ir em duas direções. A sentença “Eu acredito em Deus” vai em duas direções. Eu acredito que Deus existe e de algum modo faço de Deus parte importante de minha vida. Tenho um compromisso com Deus.

Então, voltemos à fé e razão. Na sentença “Eu acredito em Deus”, que apresenta esses dois caminhos divergentes, a razão se aplica geralmente a um caminho: “Eu acredito que Deus existe”. Em outras palavras, eu penso ser verdadeiro que Deus existe, e é exatamente a essa alegação que a razão se aplica geralmente. Há evidência? Há razões para acreditar que Deus existe? Ou razões para acreditar que Deus não existe? Alguns dos outros vídeos nessas séries discutem várias razões para pensar tanto que Deus, sim, existe quanto que Deus não existe. Essa é a aplicação da razão à questão da existência de Deus.

Agora, alguém que diz “Eu acredito em Deus” também pode ter fé ou confiança em Deus. Algumas pessoas reclamam que a fé ou confiança de crentes religiosos em Deus vai mais além do que a razão pode sustentar. Então pode haver evidência de que Deus existe, mas não está nenhum pouco perto de trazer certeza. Também, crentes religiosos parecem ter 100% de compromisso com Deus. Há uma falta de proporção entre evidência e o nível de compromisso. Essa é uma das acusações contra crenças religiosas serem razoáveis.

Agora, penso que podemos fazer algum progresso com esse problema com algumas ilustrações.

Suponha que você vai dirigir de New Haven, Connecticut, até a cidade de Nova York. Você entra em seu carro e dirigirá pela interestadual 95. Se você já dirigiu pela interestadual 95, em Connecticut, sabe que ela é um tanto perigosa. Quando entra em seu carro, você sabe que não tem certeza de que chegará até Nova York sem pregar ou bater, porque pessoas ficam no prego e sofrem acidentes todos os dias.

Então, sua confiança na alegação de que você conseguirá chegar até Nova York é menor que 100%. Mas note que você tem que entrar no carro, seja com 100%, seja com 0%. Você pode se colocar inteiro no carro. Mesmo assim, sabe que tem menos que 100% de certeza. Toda vez que você entra em um avião, sabe que há uma chance dele cair. Agora, é uma chance muito pequena. Mas a certeza de que você estará seguro é menor que 100%. Ainda assim, você pode 100% optar em se colocar no avião.

Há certas decisões na vida que requerem ou 100% ou 0% de compromisso. E essas decisões nos garantem ou nos são vinculativas mesmo se nossa razão nos disser que temos menos de 100% de certeza. Esse é simplesmente o modo como funcionam as coisas.

Então, fé e razão podem se relacionar desse modo. Podemos ter evidência talvez de que Deus exista. Mas a questão sobre a existência de Deus não é puramente teorética. Deve haver algo onde nos comprometemos com Deus. E esse compromisso com Deus pode requerer ir além do nível de evidência. É razoável para nós agir assim?

Provavelmente, isso depende de quão forte nossa evidência seja de que Deus exista. Então, quando fé e razão parecem entrar em conflito, algumas vezes é porque a razão se aplica a uma parte da questão, “A alegação é verdadeira ou falsa?”. Mas a razão é mais indireta com a segunda questão, “Eu devo me comprometer?”.

Agora, a ilustração final para esse ponto é se você alguma vez já se casou. Você não se comprometeria com seu/sua cônjuge simplesmente na proporção de sua evidência de que ele ou ela vá ser um bom parceiro(a). Este é um conselho amoroso muito ruim: avalie “Ele(a) é um bom(boa) parceiro(a)?”, e então se comprometa por inteiro. Essa é a natureza de um relacionamento. Essa é a natureza de entrar num avião, e essa é a natureza do que significa ser um crente em Deus, apesar do fato de que sua evidência pode ser menos que certa.

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*  Texto traduzido por mim a partir do vídeo Philosophy: Reason and Faith do projeto Wireless Philosophy (Wiphi), do qual agora estou participando como tradutor para a Língua Portuguesa. Você pode acessar o vídeo, a seguir:

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