quarta-feira, 10 de junho de 2015

Não me deixe jamais, lembre-se de mim





A poucos centímetros, muitos quilômetros.
Por que essa impressão
de que precisaria de quilômetros
para medir
a distância,
o afastamento
em que a vejo nesse momento? 
(João Cabral de Melo Neto)



O mínimo que deves saber sobre o máximo a que chega tua cabeça, na iminência de explodir, é que os pedaços de carne e os respingos de sangue sujarão todas as paredes a tua volta. Terás que limpá-las depois, e isso já é motivo suficiente para que penses mais, respires mais. Sempre que respiras, teu espírito é outro. Acredite. O segredo é encher-se de ar.

Não revire os olhos. Não comece a falar pausadamente. Não pergunte pelo óbvio. Não.

Teus olhos te trairão. A pausa em teu discurso soará forçada. A pergunta será retoricamente irritante. Já sabes a resposta.

E se andares de um lado para o outro da casa, não surgirão ladrilhos amarelos que te levarão a outros caminhos. Serão sempre os mesmos azulejos brancos e riscados. As paredes brancas não se transformarão em telas em que uma nova paisagem te poderá ser pintada. As grades permanecerão na janela, e não poderás te jogar do segundo andar.

A porta de saída continuará fechada e, ainda que aberta, não a irás transpor.

O banheiro continuará pequeno e ainda escutarás aquela respiração retumbante do lado de fora, ainda que feches a porta. O odor de desinfetante, misturado ao de urina, fezes e pasta de dente não será mais nauseante que a náusea que já estava em ti.

Permaneças onde estás e não soques a parede. Tuas mãos de ausência de trabalho pesado não aguentarão, e soaras ridículo a ti mesmo, dez segundos depois que te deres conta que aquilo foi infantil.

Também não batas com a cabeça na parede, porque tua cabeça explodirá, e já sabes disso. Lembre-se: o sangue e os pedaços de carne, tu terás que limpá-los.

Tudo isso terás que te lembrar. Respire, e teu espírito será outro. Sopre e serás soprado.

Aproveites agora, porque da próxima vez que acontecer de tua cabeça querer explodir, ela irá, independente do que te estou dizendo agora.

Mas o que estou dizendo?

Fracassarás, não te recordarás de nada. Eu serei alguma coisa que pensou, em algum instante em que tua cabeça não queria explodir. Tu serás alguma coisa que não pensa, e, por isso, tua cabeça não terá mais serventia.

Eu sou apenas o teu mandamento escrito em tábua para ti mesmo. Mas tu e eu sabemos que a tábua, quando o momento chegar, servirá para que a quebres em tua têmpora.

Faças assim. Ensinarei, então, qual a melhor forma de quebrares a cabeça. Mas não precisas de professor. Aqui eu me retiro e deixo-te contigo mesmo. Mas sem mim, és alguma coisa? Tua cabeça não explodiria? Não posso não mandar: não me deixe jamais, lembre-se de mim.

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