sexta-feira, 3 de abril de 2015

Café com leite



O professor chega em sala de aula e diz: “De 0.8 a 9.7, teve de tudo”. Os alunos se entreolham e cada um, assustado, logo pensa, em seu íntimo, que aquele 0.8 anunciado é a nota de sua prova. O professor, então, após repousar a bunda em sua cadeira e distribuir, pela mesa, algumas pilhas de papéis, passa a comentar cada exame, chamando para perto de si o aluno a ele correspondente. Este, a cada enunciado proferido, vai afundando em sua própria coluna até virar um ponto de dimensões ínfimas, mas extremamente denso, como o momento inicial do Big Bang, para em seguida, quando liberado pelo professor, explodir.

Chegando a vez de Alfredo, o professor o interpela, com um ar impassível:

– É você que é o técnico?

E Alfredo:

– Sou eu sim.

– Como você pode se considerar técnico com uma nota dessas?

– Há algum problema com a minha nota, professor?

– A sua nota foi uma droga e você está reprovado –, sentenciou.

Na mesma instituição e no mesmo momento, em outro departamento não muito distante desse, uma outra aluna, Ana, defende sua dissertação de mestrado. Após a última proposição de sua defesa oral, iniciaram as considerações dos avaliadores que compunham sua banca.

O especialista em Patrística disse:

– A relação que você estabelece entre Cícero e Agostinho é totalmente irrelevante para a conclusão a que você chega. Passa a impressão de que você não tinha mais o que escrever e preencheu o último capítulo com notas biográficas para encher linguiça.

A especialista em Santo Agostinho acrescentou:

– Não ficou claro, em absoluto, o porquê de você vincular a Filosofia da História de Agostinho às antigas tradições que os romanos dedicavam aos deuses do lar, o que, por sinal, é o cerne da tese que você defende. Vincular o filósofo à certa antropologia doméstica romana, para além de querer apontar uma idiossincrasia individual dele, parece não ter muita relevância para sua doutrina geral.

Ana, então, tentou se justificar, sem muito sucesso. Após sua tentativa frustrada, no entanto, a banca fez surgir uma nova Mestra no universo.

Mais tarde, quando já em seus respectivos lares, os estudantes divulgam para todos os interessados suas venturas e desventuras:

– Hoje, estou muito feliz e agradeço de coração a quem me fez ter a certeza de que não vale a pena desistir de um sonho.

– Hoje, quem devia me incentivar me fez passar pela maior humilhação da minha vida e me atribuiu algo que eu, simplesmente, não merecia.

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