segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Apotheose: aforismos sobre queda e ascensão



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É sempre duro rir de um professor da Universidade, daqui ou do resto do mundo. De alguém que tem, às vezes, mais de 40 anos de docência, que escreveu e editou livros de referência. Alguém assim, por mais teimosia e cegueira intelectual que apresente, tem uma carga do tempo nas costas. É um Hércules à beira de ser queimado na pira, já se debatendo com o veneno impregnado na roupa que não consegue tirar. Mas ainda assim um Hércules.

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Um intelectual é, como qualquer um com grandes habilidades, um vaidoso. Constrói sua vida baseado na valorização do pensamento crítico - aquele que não se contenta com senso comum e que se compromete em constantemente dar vez ao contraditório -, porém tudo o que consegue é justamente afastá-lo. Chega um tempo em que nem ele é mais crítico de si mesmo.

3

Talvez a morte do intelectual seja quando o esquema conceitual que ele elaborou durante sua vida explica qualquer coisa nova que lhe surja pela frente. Toda ocorrência já se encaixa, porque ele, do alto de suas experiência e sapiência que não são poucas, "já viu aquilo antes".

4

A arrogância não tem, etimologicamente, nada de ruim. Não se pode escapar, porém, de que quando alguém tem a necessidade de atribuir para si algum privilégio, com o intuito de mostrar superioridade, então ai já não estamos diante de alguém verdadeiramente superior, mas de um fanfarrão.

5

O fanfarrão é aquele que não ouviu o "Canto de Ossanha".

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Não há consenso absoluto algum sobre o que seja Filosofia. Mas há pouca dúvida de que deixa-se de filosofar no preciso momento em que se para de errar. A ausência de erro é coisa do sábio, não do filósofo.

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Duas coisas contra as quais a Filosofia, no nascimento, insurgiu-se: argumentos de autoridade e discursos cuja preferência é antes o convencimento que a verdade - em outras palavras: poetas e sofistas. Mas o que se aprende hoje se não a "poesia" e a "sofisticação", na pior acepção das duas palavras?

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Sofista é superlativo de sábio. Em português corrente, seria o "sabidão". O cara que sustentaria um discurso durante horas sem parar, mas que não consegue juntar duas premissas e derivar delas uma conclusão.

9

Qualquer crença, quando não justificada - isto é, quando ausente de razões que a sustentem - é passível de fanatismo. Por algum fato psicológico desconhecido, qualquer um - inclusive eu eu você - preferimos aderir com unhas e dentes a uma doutrina sobre a qual não temos ideia a simplesmente confessar que não temos razões suficientes para crer no que cremos. Confessar ignorância dói.

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Para quem acha que a Ilustração é um projeto datado do séc. XVIII, tente convencer um fanático de qualquer ordem - alguém que adere à "ciência" ou alguém que adere à "religião" - que ele tem que, para se julgar racional, fazer uma coisa simples: fornecer razões para suas crenças. Ele não aceitará e, em seguida, apresentará uma autoridade que legitima o que diz. E tudo estará resolvido. E voltamos todos à menoridade.

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O que determina um "like"? Uma concordância de pensamentos. E assim segue-se o marasmo intelectual: concordamos com aquilo que já sabemos e discordamos daquilo que jamais conheceremos.

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Quer um teste para saber se o que você estudou te fez intelectualmente melhor? Formule proposicionalmente o seu pensamento sem citar fontes. Citar este ou aquele autor pode fazer de você mais cult numa roda de amigos e até numa roda de colegas do "departamento", mas só mostra o quanto você é bom em memorizar ditados, não o quanto você é bom em pensar por conta própria.

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