terça-feira, 30 de agosto de 2016

O claro-escuro do debate sobre etnocentrismo



Criticar outra cultura, com frequência, traz duas sombras: etnocentrismo e intolerância. Os colonialismos europeus velho e novo, aliados a ideologias racistas como o nazismo são exemplos históricos de desrespeito total às diferenças. Ambos foram etnocêntricos e intolerantes. Com essas imagens em mente, é compreensível que o medo do escuro retorne. Quem não faz o esforço de acender uma vela que seja, porém, resume qualquer discussão do tipo àquelas duas categorias. A conclusão, invariavelmente, é a mesma: relativismo cultural. Esquece o relativista, porém, que sua posição não é tão pacífica quanto imagina. Um contra-exemplo famoso foi fornecido há 45 anos.

Claude Lévi-Strauss, o célebre antropólogo, proferiu uma conferência pública endereçada à UNESCO, em ocasião do Ano Internacional de Combate ao Racismo e à Discriminação Racial, em 1971. Sua tese: livrar-se do etnocentrismo não é a melhor opção. Sua justificativa: é certo que o zelo aos próprios valores pode levar à exclusão de valores alheios, porém trata-se de um preço necessário a ser pago para que se mantenham sistemas de valores particulares. Caso as culturas não permaneçam um tanto impermeáveis umas às outras, haverá uma verdadeira confusão, o que faria com que perdessem seu propósito, isto é, sua razão de ser enquanto sistemas materiais e simbólicos únicos, inconfundíveis.

O ponto aqui é o perigo da extinção da diversidade. Ao contrário do que se pensa, defendeu Lévi-Strauss, o etnocentrismo é um possibilitador, não um supressor da diferença. O combate ao etnocentrismo levaria a uma progressiva suavização do contraste cultural, o que acarretaria uma universalização de valores que, ao invés de propiciar diversidade, incentivaria uniformização. Em uma frase: tolerância desesperada com o objetivo de suavizar o contraste cultural traria contraste cultural algum.

Desde a manifestação do antropólogo, um mal-estar se instalou entre os detratores do etnocentrismo. Há um risco real de que a tolerância excessiva se torne sinônimo de ausência total de parâmetros de avaliação. Se é verdade que não se pode sair da própria cultura para avaliar outra, persiste a necessidade de avaliação. Ou se sustenta que toda avaliação cultural é tão válida quanto qualquer outra (relativismo cultural), ou se sustenta que existem avaliações culturais melhores que outras (etnocentrismo). Caso optemos pela primeira, como escaparemos da escuridão colonialista e nazista. Com mais breu?

O relativista, então, uma vez ciente das fraquezas de seu argumento deve ser chamado a se defender. Não se trata de um imperativo, mas de uma recomendação ética. Uma recomendação ética, porém, é sempre uma obrigação, ainda que posta de nós para nós mesmos, sem coação. Não devemos perder de vista que não é suficiente julgar-se racional por sustentar um valor digno. Se há objeções relevantes àquilo que acreditamos e optamos por ignorá-las, então estamos diante de uma condição irracional. Em vez de cultivarmos os raios do sol, retornamos às trevas da noite.

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