sábado, 9 de janeiro de 2016

Listas



Pergunte-me sobre uma lista de coisas para alcançar o seu objetivo, e eu te direi quem és. Brinquemos de dividir a humanidade em dois: aqueles que precisam de listas e aqueles que não precisam.

Talvez a lista mais famosa para nós, judeus e cristãos, seja aquela que Moisés nos trouxe, após severa conversa com Jeová. Sete coisas que deveríamos não fazer, e apenas três que deveríamos fazer. Sempre me perguntei por que elas simplesmente não se condensavam em apenas uma, a primeira: amar a Deus. Sobre todas as coisas, é claro. Não esqueci disso. Eu só estava testando você. E Deus.

Há também os sete pecados capitais.

Os direitos do homem e do cidadão.

Os direitos fundamentais do artigo quinto de nossa Constituição. Aliás, pensando bem, toda lei pode ser vista como uma lista do que fazer e do que não fazer.

Conta-se que, num bar do Velho Oeste, templo dos rituais de libação e sacrifício de todo pistoleiro sem rumo no Novo Mundo, acima do músico, uma placa indicava “não atire no pianista”. Se você acha absurdo e, por isso, cômico, apresento-lhe Hesíodo, em “O Trabalho e os Dias” (v. 727-732):
E não mijes nunca com o rosto voltado para o sol.
E desde que ele se ponha até que ressurja, lembra-te de
não urinares nem dentro nem fora da via, ao caminhar,
nem se estiveres desnudo - a noite é dos Venturosos.
Sentado é que o faz o varão piedoso e prudente,
ou encostado a um muro de pátio bem cercado.
Meu pai gostaria de que eu tivesse lido e admirado Hesíodo quando eu era criança, principalmente o verso 731, não é, pai?

Mas voltemos aos dois exemplos. A placa ao velho oeste se dirigia a criminosos recorrentes, para evitar um crime recorrente, dai sua justificativa e sua não absurdidade: era normal acontecer o que ela queria evitar. Os versos de Hesíodo são direcionados a seu irmão, Perses, que quer injustamente reivindicar a herança paterna que ja houvera sido dividida entre eles, pondo o sangue do seu sangue na justiça. Perses não passa de um vagabundo dissipador, e é por isso que o poema é repleto de máximas e exortações para o trabalho e para os bons costumes.

Olhemos para as pessoas que pedem listas, eu e você. Não são elas ou pistoleiras bêbadas ou Perses? Quer dizer, não são elas ou pessoas que recorrentemente fazem a coisa errada ou pessoas que não tem ideia alguma de como fazer o certo?

Típica situação em que peço uma lista à Evelyn: quando preciso ir ao mercado comprar o que está faltando e não faço ideia do que está faltando. Perses. Outra: quando como feito um maluco, me sinto mal e depois volto a comer. Bolacha, claro, recheada de chocolate, se for Nescau, melhor ainda, ou Richester, que é mais barato, mas também é gostosa. Pistoleiro bêbado.

Listas são necessárias.

Porem, quando não somos pistoleiros bêbados ou Perses, estou certo de que não precisamos de listas. Não estou falando que não precisamos de guias. Aqui faço uma distinção.

Um guia tem mais a ver com um princípio que com uma regra. Princípios são mais “amar a Deus sobre todas as coisas” que “Guardar domingos”. Quer dizer, como é que se ama a Deus sobre todas as coisas? Sozinho, em comunidade, pregando contra minorias na tevê, orando baixinho em casa, comprando azeite sagrado pelo telefone, acendendo vela? Agora, guardar domingos é perfeitamente compreensível: só tem um domingo por semana, vai lá e guarda. Princípio e regra.

A maioria de nós é Perses e pistoleiro, na maior parte do tempo e ao mesmo tempo. Precisamos a toda hora de placas para nos dizer o que fazer e o que não fazer. De vez em quando, só para variar, podíamos ser nós mesmos a escrever o seu conteúdo, em vez de delegar essa função a Moisés ou Hesíodo. Não precisa ser nada categórico: podíamos tão só deixar o pianista continuar tocando, mesmo que na hora do furor seja costume não ponderar e enfiar uma bala na sua cabeça. A música que ele toca às vezes é boa e esquecemos o quanto gostamos de ouvi-la.

2 comentários:

Augusto Lima disse...

Rico texto. Faz pensar no quão somos teleguiados.

Augusto Lima disse...
Este comentário foi removido pelo autor.