terça-feira, 29 de julho de 2014

Seis personagens à procura de um autor

Viviane Mosé

Em comentário, na rádio CBN, intitulado “Diante das manifestações, adote seu filho antes que um professor de história ou filosofia o adote”, Viviane Mosé diz que estamos em uma guerra. A guerra que, de um lado, estão os professores de filosofia, corruptores da juventude (é isso mesmo: após 2.500 anos, voltamos à mesma acusação dirigida à Sócrates), e, de outro, os pais dos alunos desses professores, que não querem ver seus filhos em violentas e não democráticas manifestações de rua. O título do podcast é retirado de um depoimento de um pai de aluno, citado por Mosé.

Mosé põe a si própria como educadora que tem por função denunciar. Ela denúncia porque, segundo ela própria, o respeito à lei é devido acima de tudo. E é como resposta ao que considera uma ofensa à lei que ela se coloca. Quem está ofendendo a lei e fazendo um desserviço educando errado o povo são justamente aqueles que não deveriam fazê-lo: o filósofo (ou melhor, filósofa) e o juiz (ou antes, desembargador). A filósofa é Camila Jourdan, professora da UERJ, que foi presa durante as manifestações. Segundo o raciocínio de Mosé, o crime dela é maior, porque ela não educa alunos para a violência, ela educa professores para a violência. O desembargador é Siro Darlan do TJ/RJ que escreveu um artigo que, segundo Mosé, diz que o povo brasileiro pode cometer crimes, desde que o crime o permita, uma vez julgado, responder em liberdade. Mentira. O que Darlan diz é o seguinte:
[...] a denúncia do Ministério Público, embora as mídias interessadas em subtrair a verdade do público tenham noticiado incêndios, lesões corporais, danos ao patrimônio público, porte de explosivos, dentre outros, é exclusivamente pelo delito de quadrilha armada – artigo 288, parágrafo único do Código Penal, cuja pena pode variar entre um e três anos de reclusão, podendo ser dobrada. Ora, ainda que os acusados venham a ser condenados, na pior das hipóteses a pena não ultrapassará dois anos por serem réus primários e de bons antecedentes. Sabe-se que pela nossa legislação a condenação até quatro anos pode e deve ser substituída por penas alternativas em liberdade.

O trecho acima está em seu Blog. O que Darlan conclui, dado isso, é que nada justifica manter presas pessoas que, ainda que condenadas, permanecerão em liberdade. Ele não faz incitação ao crime, como Mosé entende e propaga. Estaria Mosé sofrendo do mesmo mal que outra mulher pública sofreu meses atrás? (Para quem não sabe de quem estou falando, leia este meu artigo.)

Nessa mesma esteira, trago à baila duas manchetes do jornal O Estado de São Paulo:
Traição amorosa ajuda polícia a investigar manifestantes no Rio

Sininho é acusada de agredir manifestante em restaurante do Rio

Sinceramente, diante de tais títulos, já temos elementos suficientes para criar belos personagens. Por exemplo, Ativista Político Feminino 1, Ativista Político Feminino 2 e Ativista Político Masculino. A primeira teria a seguinte descrição: ativista política líder do movimento e totalmente revolucionária; adúltera. A segunda, esta: ativista política bonitinha, mas ainda não tão revolucionária; traída. O terceiro, esta: ativista político comedor e totalmente revolucionário; adúltero.

Pronto. Podemos, agora, construir duas tramas que podem se cruzar. De um lado a Educadora Denunciadora contra a Filósofa Violenta. De outro, a Mulher Traída contra o Casal Adúltero. O pano de fundo são as manifestações violentas e anti-democráticas que ocorrem no Brasil atual. Poderíamos, ainda, lançar mão de um Jornalista Imparcial, como speaker, que ligaria as ações com notícias fieis aos fatos. E eis que surgem seis personagens à procura de um autor, a la Pirandello. Daria ou não daria audiência tal dramalhão surrealista?

4 comentários:

Estevão Sousa disse...

Ela se tornou deplorável, uma perda. Mas é como o Nic disse: No Brasil, a opinião de um pai-de-santo é mais importante que a de um filósofo. Não que os pais-de-santo não tenham nada a dizer, mas de fato, alguns filósofos andam esvaziando a filosofia.

Vitor Lima disse...

Mas ela não se auto-identifica enquanto filósofa mais. Menos mal. Agora, quanto à opinião do pai-de-santo ser mais importante, em muito isso é devido aos pais de santo opinarem, coisa que nós, filósofos, envergonhados, não fazemos. Para cada Mosé, há de haver outros cinco pares que a mostrem o o erro. Esse é nosso papel, Estevão.

Vitor Lima disse...

Mas ela não se auto-identifica enquanto filósofa mais. Menos mal. Agora, quanto à opinião do pai-de-santo ser mais importante, em muito isso é devido aos pais de santo opinarem, coisa que nós, filósofos, envergonhados, não fazemos. Para cada Mosé, há de haver outros cinco pares que a mostrem o o erro. Esse é nosso papel, Estevão.

Unknown disse...

Faltou incluírem, nessa listinha de fundamentação filosófica "Sherazadiana", a advogada dos DHs, que foi quem de fato adotou um “menor manifestante” (não necessariamente nessa ordem) talvez para que não viesse a se tornar “bandido”... Comentários medíocres, típicos de quem só serve pra filosofar para mídias fantásticas globostas, mas q em respeito a nós deveriam, pelo menos, terem melhor conhecimento das Leis e, na pior das hipóteses, do que significa ADOÇÃO (sugiro lerem o ECA, algo assim). Pois, raciocine - Lógica tb faz parte de Filosofia - se é "filho", tem mais é que "aprender a pensar" com os próprios pais biológicos mesmooo, né?? Oras!!! No mais "acessível" ao intelecto: "Quem pariu Mateus que o embale"; a Escola não é para embalar e, sim, embasar... Num país que se preze, seria o conveniente. O gd problema é sermos órfãos do Estado democrático de direito, violados nos mais fundamentais, e olhe q, garantidos constitucionalmente... O que parece não ter sido o caso dos senhores dessa proposta, que estão mais para "filhos bastardos da ditadura" em busca de serem adotados por uma indústria de histórias pré-fabricadas, renegando a de seu próprio país. Já o mísero salário de um professor, por sua vez, infelizmente, não dá nem para "adotar" a si mesmo (seguindo e/ou segundo a mesma linha filosófica profunda de raciocínio). Esses tipos de raciocínios ilógicos, pobres, vergonhosos ao pensar (tanto q atribui a um terceiro) é que tem contribuído pra incitar à violência, o retorno à barbárie, à negação do conhecimento e da democracia... Quando sequer conseguem "adotar" uma conduta ética, nem como educadores, jornalistas, o que sejam... Nem mesmo numa "estrutura que é de quadrilha", onde 3 cabeças supostamente poderiam pensar um pouco mais do que uma, e tentar melhor aproveitar o espaço oferecido pela mídia, “adotando” o “Princípio da Dignidade Humana", este esquecido pelo individualismo, egocentrismo e comodismo de gente como vcs Dá até medo imaginar os filhos q “adotam”,ainda bem q são os de vcs, heh, pois representam uma grande ameaça ao pensar filosófico e, pior, à história humana... Lamentável!!!
Socorro Brasil (Bacharel e Licenciarura em Filosofia/UFPa; Bacharel em Direito)