terça-feira, 14 de junho de 2016

"Mirem-se no exemplo"



No caminho para lecionar filosofia, uma etapa significativa é a Licenciatura. E ingressar em uma instituição que a ofereça significa ter acesso, pelo menos, a um time de professores formalmente bem preparados. Mas nem só de forma vive o aprendizado. Títulos acadêmicos avançados podem ser enganosos.

É muito usual que doutores, cujo currículo ostenta o domínio de três línguas estrangeiras e um estágio em algum país da Europa, não tenham a mínima ideia de como usar instrumentos de trabalho básicos. Você espera bom uso de corpo, voz, quadro, figuras de linguagem, referências culturais fora da área de especialidade? Esqueça. O que traz o "profissional" mega especializado é a incrível habilidade de sentar durante horas e se por a ler um texto previamente produzido. Mas não é qualquer leitura. Enquanto você não sentir cada osso seu se crispar de vontade de se romper, rasgar a camada celular externa de um órgão vizinho, causar hemorragia interna e ocasionar uma morte misericordiosa que forje uma desculpa para sair dali, o objetivo não foi atendido.

Além disso, acontece frequentemente que a aula não tenha sequer início, meio e fim identificáveis. Ocorre com a normalidade de um assalto à mão armada que a explicação de problemas, teorias e argumentos filosóficos, caso inicie, fique pela metade, e que se gaste oitenta por cento do tempo falando sobre a história de vida do filósofo tal e o quanto isso acarretou a criação de sua formulação intelectual. Por extensão, não é raro que a disciplina inteira siga o mesmo padrão por um período letivo completo.

O que mais é de se lamentar, entretanto, não é isso. Os mesmos estudantes que passaram pela experiência de assistir às aulas naquelas péssimas condições repetem-nas uma vez no papel de professores. Na impotência de fazer voltar a revolta contra seus tutores, despejam-na em seus pupilos.

Isso poderia ser evitado se, em vez de uma simples revolta, um esforço individual fosse feito no sentido de encarar o espelho como contra-espelho. É como diz a canção de Chico Buarque: "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas [...]". Chico não aconselha que o comportamento das atenienses seja mimetizado; é justamente o oposto: saiba como elas se comportaram para que não permitas que isso se repita. Eis, talvez, a maior lição de professores ruins: eles nos ensinam por contraste. Aprendamos.

Um comentário:

Bruno de Oliveira disse...

Eu já discuti um monte com professores sobre isso, mas hoje em dia me sinto simplesmente cansado. Espero ir além do que recebi e, fazendo isso, desconfortar um pouco as pessoas. Quem sabe um bom desempenho não gera algum fruto positivo para além de minha satisfação comigo mesmo?