domingo, 17 de abril de 2016

Criadores e criaturas



Na criação dos animais, o homem saiu em desvantagem. Prometeu, compadecido, furtou o fogo divino e deu-lhe de presente. Zeus descobriu o delito e condenou-o a ter suas entranhas dilaceradas por um pássaro e, em seguida, regeneradas, para que o processo continuasse no dia seguinte. Eternamente. "Mito", poderíamos pensar. Sim, porém os limites entre vida e arte, realidade e ficção, cotidiano e extraordinário não são tão fáceis assim de ser estabelecidos.

Mito não é mentira pura e simples, mas uma construção simbólica para explicar a realidade. Um modo de ler Prometeu é encará-lo como uma narrativa de aquisição do saber e dos perigos de desmedida por ele acarretados. A sabedoria vem dos deuses, mas não sem custo. Seria o homem verdadeiramente digno de tal dom?

O soberano do Olimpo diria que não: "a condição humana é precária, e tudo o que deve fazer o homem é sobreviver e nos adorar". Um mortal retorquiria: "não somos deuses e é por isso que precisamos da dádiva". Ser humano é ser inacabado; ser inacabado é ter que se auto-criar. Não há outra alternativa.

Mas nem só de mantença própria vive o homem. A centelha divina pode servir para propósitos não utilitários. Uma vida de banalidades pode almejar a uma outra, não ordinária. Um ser incompleto pode querer forjar outro, completo. Não há como não concluir: só um mortal inventaria um deus. O contrário simplesmente não se encaixa.

O não encaixe é típico de toda criação humana, seja literária, utilitária ou existencial. Criadores que somos, inventamos nossa condição de criaturas. Criaturas que somos, nossa função é guardar nossos criadores. Existiríamos um sem o outro?

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