sábado, 10 de maio de 2014

Palmas das mãos



Fortaleza, Ceará, Centro Cultural Dragão do Mar, idos de 2008 – Estávamos eu e meu pai num concerto de música – primeira fila, canto esquerdo – acompanhando o espetáculo de um dos talentos da geração dele, meu pai, que não teve como também não me fisgar.

Francis Hime, com sua banda e com seu piano, preenchia o espaço com a habilidade de um bailarino. Já velho, gordo, cabelos brancos, meio corcunda e com um inconfundível olhar de avô maroto, aquele artista/arteiro nos conduziu a todos como um maestro o faz com sua orquestra. Corrijo-me: a quase todos.

À nossa direita, minha e de meu pai, estavam um senhor adiposo e sua esposa ossuda. Montavam um casal de gordo e magro que nos garantiu a diversão da noite que não queríamos. Sentados, permaneceram ocupados em uma conversa que nunca cessava, exceto para dedilhar vez ou outra seus respectivos celulares e sair para comprar comida e bebida. E riam e proseavam alto e comiam e entornavam seus copos de líquido que pouco importa. Em frente, um dos maiores músicos vivos de nosso tempo; ao lado, dois glutões imbecilizados. A anedota da pérola aos porcos nunca fez tanto sentido para mim e meu pai.

Não é que estivessem mal vestidos, não é que houvesse-lhes uma cárie nos dentes, não é que faltasse perfume naqueles couros úmidos. Mas não tinha como não olhar para aquilo e ver ali algo de mendigo maltrapilho, cariado e enlodado.

Em certo momento, Hime tocou Pau-brasil (Francis Hime/Geraldo Carneiro), narrando a história da menina que achou no mato uma maçã e foi surpreendida pelo deus Tupã, que lhe explicou o segredo daquela fruta: uma maçã é nada mais que uma maçã – sim, às vezes uma maçã é só uma maçã. Na simplicidade rítmica da música e na fluidez da letra, aqueles porcos não conseguiam prestar atenção na simplicidade da pérola. Não entendiam que uma maçã é uma maçã e nem sequer poderiam, não prestavam atenção em nada que se passava no palco. Incrivelmente, porém, depois de cada música eles levantavam entusiasticamente gritando BRAVO! BRAVO! para logo em seguida tirarem uma foto do que se passava. Após esse átimo, voltavam para o filisteísmo de seus sórdidos assentos.

Toda vez que vejo alguém postando uma foto de felicidade hiperativa em redes sociais me vem à mente esse caso. Digo isso porque tenho amigos e, apesar de detestar eventos de massa, sou hipócrita o bastante para frequentá-los vez ou outra e vejo neles o comportamento dos porcos descritos acima. Na minha frente, agem como se o que se lhes estivesse diante dos olhos fosse um filme sul-coreano, tedioso como o programa do Faustão, porém nas fotos e no intervalo das músicas aplaudem como se estivessem prestando atenção no que está se passando: BRAVO! BRAVO!

Não somos mais capazes de viver experiências. O que nos redime são nossas imagens expostas. Só podemos ser vivos durante algumas curtidas e compartilhamentos. Não aplaudimos mais quem merece ser aplaudido. Talvez não queiramos nem mais aplaudir; nem a nós mesmos. As palmas são somente para que sintamos algo. Dormentes, ainda nos restam as palmas de nossas mãos. Elas ainda não estão de todo destituídas de sentido. Espero que demoremos um pouco para descobrir que até elas criam calos e, com o tempo, também ficam resistentes ao toque. PQP. Contei o segredo. Nem as palmas das mãos temos mais agora.

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