terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Sarinha em X quadros


I.

Há mulheres que nascem velhas. Queixudas, bochechas caídas, nariz adunco e voz de um agudo penetrante. Não há desculpas. A pele ainda pode ser acetinada, polída, mas as asperezas e rugosidades continuam ali. Entenda: não é que seja feia a mulher que nasce velha; é que você, sentindo atração por ela, vira uma espécie de necrófilo adiantado.

Um adjetivo um tanto precipitado esse último, mas – confesso – não havia outro melhor para atribuir ao Luis. Porra! Luis, caro leitor. Nome de rei. E da França, país da liberdade, da igualdade e da fraternidade. Pois então. A história que contarei começa com o tal lema da inalguradora da Era Moderna, a Revolução Francesa. Sim. Tudo começou com a fraternidade, descambou para a igualdade e toliu a liberdade.

Voltando às mulheres que nascem velhas. Sarinha era uma dessas. Sim, leitor: Luis e Sarinha namoravam. Você já tomou nota disso antes de começar a história. Não conhecia os nomes, mas já sabia que um texto que começa descrevendo uma mulher só pode dar em duas coisas: ou fala-lhe mal ou discorre-lhe uma história de amor.

Pronto, só para não satisfazê-lo, leitor, não escreverei nenhuma dessas histórias. Sarinha era um amor, porém solitária. Leiam.

II.

Sarinha – não há outro jeito de dizê-lo – tinha os peitos enormes. Não eram seios, leitor. Eram peitos. Seios são aquelas partes do corpo feminino que nos emocionam. Peitos nos arrebatam. Ninguém diz “seiar”. Diz-se “peitar”. Enfrentar com coragem, com violência se preciso. Pois muito bem, Sarinha era peituda.

III.

Na infância sofreu. Sofreu por que os meninos – aqueles demônios ainda sem faro para feromônios – não sabiam discernir a diferença entre as duas categorias que lhe descrevi no parágrafo anterior, leitor. Não deu outra: apelidaram-na. A alcunha infame eu omito. Sarinha não merece mais essa humilhação, o leitor a de concordar.

IV.

Muito bem, sob extensos pedidos, conto-lhes. O cognome que virou epíteto (até mais ou menos o ensino médio) era “peitossaura”. Deixemos isso de lado.

V.

Entrando no Ensino Médio, Sarinha já despertava a atenção geral. Os peitos já não causavam anedotas, mas olhares lúbricos. Nossa protagonista trocou de ênfase: passou da chacota à xoxota. Todos a queriam. Mas Sarinha, leitor, não dava, não dava, não dava.

Por vingança, por despreparo ou por falta de alguém que lhe chamasse à atenção, não sei. Fato é que Sarinha era virgem e pretendia permenecê-lo. Não digo que não se divertisse a Sarinha. Não digo que não namorasse a nossa personagem. Não digo que não apalpasse muito pau e quase que reflexivamente recebesse de volta bolinações certeiras. Mas, permanecia o hímen intacto.

VI.

Na Faculdade as coisas ensaiaram mudanças. Até aqui, deixei de dar ênfase à aparência idosa de Sarinha e enfoquei-lhe nos peitos. Na Faculdade, tudo fica mais velho. A característica senil de Sarinha exacerbou-se.

O Curso de Sarinha? Letras: língua francesa. Se Sarinha sabia alguma coisa da língua franca antes de entrar na Universidade? O leitor já sabe.

Foi ali, com o professor de Prática Oral em Língua Francesa I que Sarinha se descobriu. O mestre ministrava-lhe de tudo. Se compadecia daquela aluna tão inexperiente, mas tão aplicada. Todas as oralidades foram descobertas. O professor se chamava Luis. Começaram a namorar desde então.

VII.

Conheci Luis quando fazia intercâmbio. O lugar foi Dunquerquer, na França. Ele estudava francês; eu, inglês, em Dover, no Reino Unido. Era um bosal. Ainda pensava que a França era o centro cultural do mundo e odiava tudo que viesse dos EUA. Tamanho um baré com pensamento terceiro-mundista! Nem sempre pensei assim de Luis. Alias, é a primeira vez.

Quando o conheci, Luis era livre. Gostei disso. Logo, tornamo-nos iguais. Irmãos de sangue. Isso seria até hoje, não fosse Sarinha.

Na Universidade, eramos colegas de profissão,ambos eramos professores. Eu lecionava Teoria da Percepção Visual, no Curso de Artes Plásticas.

Sempre pegavamos as “faculdandas” mais gostosas. Era muito fácil. Exercíamos poder sobre elas. Ah, o poder! Saudade de possuí-lo. Pegava-mos geral. Até que aquela “universiotária” apareceu. E nem era tão gostosa. Era – isso sim, como o leior já sabe – peituda. E velha. Irresistivelmente idosa, porém moça. E conquistou o meu amigo.

VIII.

Tornei-me seu amigo. Não havia outro jeito. Se quisesse permanecer ao lado de Luis, tinha que aturá-la. Foi dessa convivência que soube de sua história de vida. Por isso lhe conto, leitor. E não tenho vergonha de fazê-lo. Não sou fofoqueiro. Ela própria não faz questão de esconder de ninguém o que se passou em sua vida. Ou não fazia.

IX.

Sarinha morreu. Antes de mim e de Luis. Não recordo de que. Droga! Toda a raiva que eu lhe sentia, e eu só consigo me lembrar desses poucos flashes.

X.

Estou velho. Esclerosado. Não me lembro da feição de meu amigo Luis. Mas de Sarinha eu me lembro. Era velha, mesmo quando moça. Queixuda, bochecha caída, nariz adunco e voz de um agudo penetrante. Ah, e como tinha os seios pequenos! Luis nunca gostou de mulher de seios grandes. Dizia que mulher de seio grande tinha peito, não seio. Não me lembro de Luis. Nem lembro de mim. Mas de Sarinha, sua velhice precoce e seus seios pequenos eu me lembro. Sarinha...

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