sábado, 8 de março de 2014

O corpo é todo da mulher! Não, pera...


A.S. Hoje é dia da mulher. E, de cara, peço uma coisa à leitora: sem essa de dizer que só hoje que é dia da mulher, e que os demais dias pertencem aos homens. Reclamar que a mulher só tem um dia, assim de forma banal, é coisa de gente que não sabe a função de um dia comemorativo. Deixemos isso de lado, hoje é dia da mulher. E o que pode fazer um texto dedicado ao dia da mulher? Poderíamos falar da essência da mulher, talvez, e dizer o quanto ela é especial em nossas vidas, dizer que sem ela não viveríamos, dizer que ela é o que de mais perfeito há. Yes, we can. Isso, porém, todo aquele que consegue olhar nos olhos de uma mulher e que consegue emitir alguma coisa além de grunhidos tem por dever falar frequentemente, não só no dia da mulher. Defender a essência da mulher nesses moldes é coisa que todo micróbio sabe fazer. O que quase todo mundo não sabe fazer e se atrapalha todo quando tenta é defender não a essência, mas o corpo da mulher.
______________________________


Sabemos que uma das pautas mais pertinentes do movimento feminista é a reivindicação de que o corpo da mulher a ela pertence e a mais ninguém. Ela faz o que quiser com ele. Concordo com essa tese geral. Mas encontro um problema com alguns daqueles que, iguais a mim, também concordam. É que eles, no caminho da defesa dessa tese, acabam por desdizê-la e por cair em algo que eles próprios, assim como eu, combatem: o moralismo barato. Tentarei explorar isso aqui. Seguirei o seguinte procedimento: montarei um personagem fictício que explicará, através de cartazes levantados em protestos feministas, como esse movimento luta em prol do esclarecimento e da conscientização da mulher sobre o seu próprio corpo. Vamos a ele.

We Can Do It! de J. Howard Miller, 1943

Eis uma imagem emblemática do movimento feminista. De propaganda de guerra criada na década de 40, ela virou símbolo de luta do feminismo nos anos 80 e serviu até de campanha política. Certamente é uma imagem encorajadora e que indica que, em termos de força física, a mulher pode ser tão capaz quanto o homem. É uma primeira indicação que ela tem condições de proteger o próprio corpo porque ela própria é forte. Nada de sexo frágil.

Manifestante de rua em protestos no Brasil (imagem da internet)

O cartaz acima já é bem mais recente e mostra uma mulher reclamando o direito de poder usar roupa provocante (a saia, no caso) e ainda assim não querer diretamente atingir ninguém, seja via sedução, seja via protesto contra os "bons costumes". É a reivindicação de usar uma saia curta, assim como um homem usa um calção curto - naturalmente, sem conotação sexual ou política necessárias. O que está em jogo é a exposição do próprio corpo da maneira que ela própria bem entenda. Convenhamos, é preciso ser muito ressentido ou muito conservador para não endossar esse tipo de reivindicação.

Cartaz de rua em protestos no Brasil (imagem da internet)

Se a mulher pode usar a peça de roupa que ela bem quiser, onde ela bem quiser, ela igualmente pode deixar de usar a peça de roupa que ela bem quiser, na ocasião que ela preferir. O corpo da mulher é completamente dela, e só interfere nele quem ela deixar - eis uma tese mais do que justa! Estamos, agora, preparados para algo além de cartazes que defendam o corpo da mulher; agora, o próprio corpo é o cartaz:


Manifestante de rua em protestos no Brasil - 2 (imagem da internet)

Sim, o próprio corpo é o cartaz. Como não poderia sê-lo? O corpo passa a ser valorizado: "EU NÃO SOU COISA!", "MEU CORPO ME PERTENCE", "RESPEITE". A imagem é emblemática porque não é uma boca que fala, não é um rosto que aparece, não é um objeto que contém palavras, mas sim as costas, uma parte do corpo que não se dá muita importância. E ainda assim, tal qual uma tatuagem, as letras estão lá para mostrar que cada parte do corpo merece destaque e pode ser exibida como bem convier a mulher que o mostra. Depois desse estágio, a mulher está pronta para dizer: "MEU CORPO MINHAS REGRAS" e se orgulhar disso, não é mesmo?!


Encarte do CD do grupo Gaiola das Popozudas


Valesca Popozuda (imagem da internet)









Desde que essa mulher não seja uma... uma... uma funkeira (cuspe no chão). Sim, porque uma funkeira não esta legitimada a fazer parte da luta conscientizadora das mulheres esclarecidas contra o machismo e o patriarcalismo opressores. Tudo o que uma funkeira faz é denegrir a imagem da mulher. A funkeira mostra a mulher como mais um pedaço de carne, como sendo nada além de um objeto. Não importa que Valesca Popozuda (cuspe no chão) tenha posado para foto com dizeres típicos de uma feminista esclarecida em protesto. Ela é uma funkeira, e uma funkeira jamais pode ser esclarecida. Uma funkeira é alienada e tudo o que ela representa é o resultado da decadência em que pode se encontrar alguém vítima do capitalismo selvagem, da sociedade de consumo e de espetáculo. Como alguém que canta músicas (músicas?), cujos nomes são Agora virei puta, A foda tá liberada, Quero te dar, Fiel é o caralho e Tô com o c* pegando fogo, como pode alguém assim ser não alienada? Pouca importa que ela tenha uma música (música?) chamada "Minha buceta é poder" - outra mensagem feminista típica -; no máximo ela copiou de algum cartaz e fez uma música (música?) sobre porque achou bonitinho.

Aqui, encontramos uma primeira ressalva à regra: o corpo é todo da mulher, desde que ela não seja funkeira, que funkeira é alienada.

Espera, há outra ressalva que eu acabei de pensar aqui. Vê se eu não tenho razão. O que você me diria das misses, aquelas mulheres que se vendem às aparências e vivem de mostrar o corpo? Tá certo que o corpo é da mulher, mas elas não sabem o que estão fazendo. Não é possível que saibam. OK, a Miss Brasil eu posso até deixar passar, porque ela tem conteúdo, é inteligente, lê livros (nem que seja só O Pequeno Príncipe, mas lê). Mas o que eu não suporto são aquelas mulheres que vendem o corpo (parecendo mais umas... putas), como é o exemplo da Miss Bumbum. Ano passado, quatro delas fizeram um protesto contra o grupo Fêmen, querendo fazer com que a gente acredite que elas são algo além do corpo. É claro que elas são só corpo. Olha a foto delas:


Aqui, aproveito para colocar outra ressalva na regra geral: o corpo é todo da mulher, desde que ela não seja funkeira, que funkeira é alienada, e nem Miss Bumbum, que também é tão alienada ou até pior. Aliás, quem foi que começou com esse papo mais sem pé, nem cabeça que o corpo tem que ser só de responsabilidade da mulher, mesmo? Isso não faz o menor sentido!
______________________________


P.S. Esperemos que este texto não precise de explicações. De resto, neste dia, desejo às mulheres que eu amo, que eu as continue amando, porque elas continuarão sendo muito sortudas por me terem em suas vidas.

3 comentários:

Augusto Lima disse...

Isso trás à tona o velho reforço ao antagonismo entre corpo (substância) e intelecto(essência), deixando bem claro que, hoje, muitas mulheres transferem todo sua inteligibilidade para o corpo, banalizando-o através de divulgações comerciais ou simplesmente gostos exóticos.

Vitor Lima disse...

Pai, ainda que a funkeira não seja ela mesma uma ativista, ela faz parte de uma manifestação contemporânea relevante, justamente porque não pressupõe metanarrativa transcendente, nem faz um discurso sobre o corpo, mas faz do corpo um discurso. Isso é filosoficamente novo e relevante, mesmo que ela o faça sem a consciência de uma ativista.

Anônimo disse...

Tá sertinho, mascu.