A poucos centímetros, muitos quilômetros.
Por que essa impressão
de que precisaria de quilômetros
para medir
a distância,
o afastamento
em que a vejo nesse momento?
(João Cabral de Melo Neto)
O mínimo que deves saber sobre o máximo a que chega tua cabeça,
na iminência de explodir, é que os pedaços de carne e os respingos
de sangue sujarão todas as paredes a tua volta. Terás que limpá-las
depois, e isso já é motivo suficiente para que penses mais,
respires mais. Sempre que respiras, teu espírito é outro. Acredite.
O segredo é encher-se de ar.
Não revire os olhos. Não comece a falar pausadamente. Não
pergunte pelo óbvio. Não.
Teus olhos te trairão. A pausa em teu discurso soará forçada. A
pergunta será retoricamente irritante. Já sabes a resposta.
E se andares de um lado para o outro da casa, não surgirão
ladrilhos amarelos que te levarão a outros caminhos. Serão sempre
os mesmos azulejos brancos e riscados. As paredes brancas não se
transformarão em telas em que uma nova paisagem te poderá ser
pintada. As grades permanecerão na janela, e não poderás te jogar
do segundo andar.
A porta de saída continuará fechada e, ainda que aberta, não a
irás transpor.
O banheiro continuará pequeno e ainda escutarás aquela
respiração retumbante do lado de fora, ainda que feches a porta. O
odor de desinfetante, misturado ao de urina, fezes e pasta de dente
não será mais nauseante que a náusea que já estava em ti.
Permaneças onde estás e não soques a parede. Tuas mãos de
ausência de trabalho pesado não aguentarão, e soaras ridículo a
ti mesmo, dez segundos depois que te deres conta que aquilo foi
infantil.
Também não batas com a cabeça na parede, porque tua cabeça
explodirá, e já sabes disso. Lembre-se: o sangue e os pedaços de
carne, tu terás que limpá-los.
Tudo isso terás que te lembrar. Respire, e teu espírito será
outro. Sopre e serás soprado.
Aproveites agora, porque da próxima vez que acontecer de tua
cabeça querer explodir, ela irá, independente do que te estou
dizendo agora.
Mas o que estou dizendo?
Fracassarás, não te recordarás de nada. Eu serei alguma coisa
que pensou, em algum instante em que tua cabeça não queria
explodir. Tu serás alguma coisa que não pensa, e, por isso, tua
cabeça não terá mais serventia.
Eu sou apenas o teu mandamento escrito em tábua para ti mesmo.
Mas tu e eu sabemos que a tábua, quando o momento chegar, servirá
para que a quebres em tua têmpora.
Faças assim. Ensinarei, então, qual a melhor forma de quebrares
a cabeça. Mas não precisas de professor. Aqui eu me retiro e
deixo-te contigo mesmo. Mas sem mim, és alguma coisa? Tua cabeça
não explodiria? Não posso não mandar: não me deixe jamais,
lembre-se de mim.
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