Greg Ganssle
Universidade de Yale
É uma ideia muito popular a de que fé e razão são opostas.
Assim, se sustento algo baseado na fé, não é o caso que eu tenha
também boas razões para sustentar isso. Ou, se argumento sobre
algo, não é o caso que eu tenha fé. Algumas das razões porque é
difícil hoje relacionar fé e razão tem a ver com o modo como
falamos sobre o que acreditamos.
Usaremos sentenças como as seguintes.
Eu acredito que George Washington existiu.Eu acredito que sorvete é gostoso.Eu acredito em reciclagem.Eu acredito em Deus.
Perceba que as várias sentenças que usei utilizam-se da palavra
acredito. Mas frequentemente usamos essa palavra tanto no sentido de
acreditar que quanto no de acreditar em.
Então, quando digo que acredito que George Washington existiu,
tomo a sentença “George Washington existiu”, e acredito que essa
sentença é verdadeira. O que acredito nessa sentença ou é
verdadeiro ou é falso. Estou correto sobre minha crença ou estou
errado sobre minha crença. Agora quando falamos sobre acreditar em,
fica muito mais complicado. Eu acredito na Constituição. Isso
significa o que? Não significa que acredito que a Constituição
existe, embora eu acredite. Precisa significar outra coisa. Significa
algo como eu tenho confiança na Constituição ou que eu penso que é
uma boa coisa ou que eu confio nela.
“Eu acredito em reciclagem” é até mais complicado. Tem que
significar mais que eu acredito que reciclagem existe ou que eu
acredito que é bom reciclar, porque eu poderia dizer a você que eu
acredito que é bom reciclar. Mas se eu nunca reciclei, você poderia
dizer, “Eu não acredito mesmo em reciclagem”. Dizer “Eu
acredito em reciclagem” é dizer que estou comprometido com uma
certa prática. A prática de reciclagem. Então, quando dizemos eu
acredito em, isso é muito complicado.
Eu acredito que tem a ver com fazer certas alegações, e essas
alegações são ou verdadeiras ou falsas. A razão tem muito mais a
ver com a alegação eu acredito que. É quando posso trazer
evidências que a sustentem. Eu acredito que George Washington
existiu. Há muita evidência em relação a isso. Vez ou outra eu
carrego uma nota de 1 dólar, e ele figura na nota de 1 dólar. Ou
ainda, fui a Washington, DC, e visitei os arquivos e vi sua
assinatura nos documentos. Tudo isso são partes de evidência que
podem creditar a alegação de que eu acredito que George Washington
existiu é verdadeira. A razão pode ser chamada a sustentar
sentenças do tipo eu acredito que.
Agora, quando alguém diz eu acredito em Deus, o que isso
significa? Significa, sim, que eu acredito que Deus existe, mas
também significa algo mais. Para muitos, significa não só, sim, eu
acredito na alegação de que Deus existe, mas, de algum modo, que
Deus é uma parte importante de minha vida. Eu tenho compromisso com
Deus, de algum modo. E esse é um tipo de ambiguidade. Pense você
que ambiguidade significa que a sentença pode ir em duas direções.
A sentença “Eu acredito em Deus” vai em duas direções. Eu
acredito que Deus existe e de algum modo faço de Deus parte
importante de minha vida. Tenho um compromisso com Deus.
Então, voltemos à fé e razão. Na sentença “Eu acredito em
Deus”, que apresenta esses dois caminhos divergentes, a razão se
aplica geralmente a um caminho: “Eu acredito que Deus existe”. Em
outras palavras, eu penso ser verdadeiro que Deus existe, e é
exatamente a essa alegação que a razão se aplica geralmente. Há
evidência? Há razões para acreditar que Deus existe? Ou razões
para acreditar que Deus não existe? Alguns dos outros vídeos nessas
séries discutem várias razões para pensar tanto que Deus, sim,
existe quanto que Deus não existe. Essa é a aplicação da razão à
questão da existência de Deus.
Agora, alguém que diz “Eu acredito em Deus” também pode ter
fé ou confiança em Deus. Algumas pessoas reclamam que a fé ou
confiança de crentes religiosos em Deus vai mais além do que a
razão pode sustentar. Então pode haver evidência de que Deus
existe, mas não está nenhum pouco perto de trazer certeza. Também,
crentes religiosos parecem ter 100% de compromisso com Deus. Há uma
falta de proporção entre evidência e o nível de compromisso. Essa
é uma das acusações contra crenças religiosas serem razoáveis.
Agora, penso que podemos fazer algum progresso com esse problema
com algumas ilustrações.
Suponha que você vai dirigir de New Haven, Connecticut, até a
cidade de Nova York. Você entra em seu carro e dirigirá pela
interestadual 95. Se você já dirigiu pela interestadual 95, em
Connecticut, sabe que ela é um tanto perigosa. Quando entra em seu
carro, você sabe que não tem certeza de que chegará até Nova York
sem pregar ou bater, porque pessoas ficam no prego e sofrem acidentes
todos os dias.
Então, sua confiança na alegação de que você conseguirá
chegar até Nova York é menor que 100%. Mas note que você tem que
entrar no carro, seja com 100%, seja com 0%. Você pode se colocar
inteiro no carro. Mesmo assim, sabe que tem menos que 100% de
certeza. Toda vez que você entra em um avião, sabe que há uma
chance dele cair. Agora, é uma chance muito pequena. Mas a certeza
de que você estará seguro é menor que 100%. Ainda assim, você
pode 100% optar em se colocar no avião.
Há certas decisões na vida que requerem ou 100% ou 0% de
compromisso. E essas decisões nos garantem ou nos são vinculativas
mesmo se nossa razão nos disser que temos menos de 100% de certeza.
Esse é simplesmente o modo como funcionam as coisas.
Então, fé e razão podem se relacionar desse modo. Podemos ter
evidência talvez de que Deus exista. Mas a questão sobre a
existência de Deus não é puramente teorética. Deve haver algo
onde nos comprometemos com Deus. E esse compromisso com Deus pode
requerer ir além do nível de evidência. É razoável para nós
agir assim?
Provavelmente, isso depende de quão forte nossa evidência seja
de que Deus exista. Então, quando fé e razão parecem entrar em
conflito, algumas vezes é porque a razão se aplica a uma parte da
questão, “A alegação é verdadeira ou falsa?”. Mas a razão é
mais indireta com a segunda questão, “Eu devo me comprometer?”.
Agora, a ilustração final para esse ponto é se você alguma vez
já se casou. Você não se comprometeria com seu/sua cônjuge
simplesmente na proporção de sua evidência de que ele ou ela vá
ser um bom parceiro(a). Este é um conselho amoroso muito ruim:
avalie “Ele(a) é um bom(boa) parceiro(a)?”, e então se
comprometa por inteiro. Essa é a natureza de um relacionamento. Essa
é a natureza de entrar num avião, e essa é a natureza do que
significa ser um crente em Deus, apesar do fato de que sua evidência
pode ser menos que certa.
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* Texto traduzido por mim a partir do vídeo Philosophy: Reason
and Faith do projeto Wireless Philosophy (Wiphi), do qual agora estou participando como tradutor para a Língua Portuguesa. Você pode acessar o vídeo, a seguir:
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