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Ernest Sosa |
Ernest Sosa
O que é saber verdadeiramente algo? No dia a dia, podemos não
pensar muito nisso – a maioria de nós repousa naquilo que
considera ser julgamento justo e senso comum ao estabelecer o que é
conhecimento. Mas a tarefa de definir claramente o que é
conhecimento verdadeiro é mais complicada que possa parecer à
primeira vista e é um problema que os filósofos têm lutado contra
desde Sócrates.
Nos complacentes anos 1950, era sabedoria consolidada que sabíamos
ser uma dada proposição verdadeira se, e somente se, ela é
verdadeira, nós a acreditamos verdadeira e estamos justificados em
acreditar nisso. Esse consenso foi explodido em uma breve nota de
Edmund Gettier, na revista Analysis.
Aqui vai um exemplo do tipo usado por Gettier para refutar a
teoria. Suponha que você tenha todas as razões para acreditar que
você tem um Gol, já que o tem em sua posse há vários anos e o
estacionou essa manhã na vaga usual. Entretanto, ele acabou de ser
destruído por uma bomba, de modo que você não possui Gol algum, a
despeito de sua crença justificada de que possui. Enquanto está
tomando seu café da manhã num quiosque, você medita que alguém
ali possui um Gol (já que, afinal, você o possui). E finda que você
está correto, mas só porque outra pessoa no quiosque, o garçom,
possui um Gol, fato que você nem suspeita. Aqui, então, você tem
uma crença verdadeira bem justificada que não é conhecimento.
Após muitas tentativas de ajustar a explicação do tipo crença
verdadeira justificada com poucas modificações, os filósofos
empreenderam algo mais radical. Uma abordagem promissora sugere que
conhecimento é uma forma de ação, comparável a de um arqueiro
bem-sucedido, quando ele conscientemente objetiva acertar um alvo.
Um tiro de arco pode ser avaliado de muitas maneiras. Ele pode ser
acurado (bem-sucedido em acertar o alvo). Ele também pode ser ágil
(habilidoso e competente). Um tiro de um arqueiro é ágil somente
se, à medida que a flecha sai do arco, ela é bem orientada e
suficientemente vigorosa. Mas um tiro que é ao mesmo acurado e ágil
pode, ainda assim, não alcançar a meta. Considere um ágil tiro de
flecha, deixando o arco com velocidade e orientação que normalmente
acertaria o alvo na mosca. Então, uma rajada de ar o desvia, mas uma
segunda rajada o coloca de volta no caminho. Esse tiro é acurado e
ágil, mas falha em ser apto. A aptidão de um tiro requer que seu
sucesso seja alcançado não apenas por sorte (tal qual a sorte da
segunda rajada). O sucesso precisa ser antes o resultado de uma
competência.
Isso sugere a explicação AAA de um bom tiro de arco. Mas podemos
generalizar a partir desse exemplo, para dar uma explicação de uma
tentativa completamente bem-sucedida de qualquer tipo. Qualquer
tentativa terá um alvo distintivo e será, assim, altamente
bem-sucedida somente se obter sucesso não apenas agilmente, mas
aptamente.
Claro, uma tentativa completamente bem-sucedida é boa, acima de
tudo, somente se o objetivo do agente é bom o suficiente. Uma
tentativa de assassinar uma pessoa inocente não é boa, mesmo que
seja completamente bem-sucedida. Aristóteles, em sua Ética a
Nicômaco, desenvolveu uma explicação AAA de tentativas de levar a
uma vida próspera, em acordo com virtudes humanas fundamentais (por
exemplo, justiça e coragem). Tal abordagem é chamada de ética das
virtudes. Já que há uma quantidade de verdade que precisa ser
captada, caso alguém queira prosperar, alguns filósofos começaram
a tratar a aptidão de alcançar a verdade como virtuosa, no sentido
aristotélico, e desenvolveram uma epistemologia da virtude, que
também finda por resolver problemas do tipo posto por Gettier. (O
próprio Aristóteles, em VI.2, da Ética a Nicômaco, suporta o
alcance da verdade como o bom funcionamento do intelecto.)
A epistemologia da virtude inicia por reconhecer asserções ou
afirmações. Estas podem ser tanto públicas, em alto e bom som, ou
a si mesmo, na privacidade da própria mente. Uma afirmação pode
ter um ou vários objetivos, e até mesmo mais de um de uma vez só.
Pode ter como objetivo enganar, como quando é uma mentira. Ou pode
ter como objetivo exibir-se, revigorar alguém ou estimular confiança
em si próprio quando se entra em uma competição atlética.
Um tipo particularmente importante de afirmação é aquele que
objetiva alcançar a verdade, em acertar o alvo. Tal afirmação é
chamada de alética (do termo grego para verdade: aletheia). Tudo que
uma afirmação precisa para ser alética é que um de seus objetivos
seja este: acertar o alvo.
Os humanos realizam atos de afirmação pública no esforço de
falar a verdade, atos de crucial importância para uma espécie
linguística. Precisamos de tais afirmações para atividades da
maior importância para a vida em sociedade: para deliberação
coletiva e coordenação e para o compartilhamento de informação.
Precisamos de pessoas dispostas a afirmar as coisas publicamente. E
precisamos que elas sejam sinceras (em geral), alinhando afirmação
pública com julgamento privado. Finalmente, precisamos de pessoas
cujas asserções expressem o que elas sabem realmente.
A epistemologia da virtude fornece uma explicação do
conhecimento do tipo AAA: saber afirmativamente é fazer uma
afirmação que é acurada (verdadeira) e ágil (que requer levar
apropriadamente em conta as evidências). Em adição, porém, a
afirmação precisa ser apta, ou seja, sua acuidade deve ser
atribuível à competência, em vez de sorte.
Requerer do conhecimento que seja apto (em adição a acurado e
ágil) reconfigura a epistemologia enquanto uma ética da crença. E,
como bônus, permite à contemporânea epistemologia da virtude
resolver nosso problema de Gettier. Agora temos uma explicação do
porquê você falha em saber que alguém no quiosque possui um Gol,
quando o seu próprio Gol foi destruído por uma bomba, enquanto que
acontece do garçom possuir um. Sua crença nesse caso falha em
atingir conhecimento pela razão de que falha em ser apta. Você está
certo que alguém no quiosque possui um Gol, mas a correção de sua
crença não manifesta sua competência cognitiva ou epistêmica.
Você está certo somente porque, por sorte epistêmica, acontece do
garçom possuir um. Quando nas suas cogitações você afirma a si
mesmo que alguém no quiosque possui um Gol, sua afirmação não é
uma afirmação alética apta e, assim, falha em atingir
conhecimento.
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SOSA,
Ernest. Getting it right. The New York Times, Opinion Pages,
Opinionator, The Stone. Nova York, 25 mai. 2015. Traduzido por Vitor Ferreira Lima. Disponível em
<http://opinionator.blogs.nytimes.com/2015/05/25/getting-it-right/>.
Acesso em: 12 jun. 2015.
Ernest
Sosa é professor de filosofia na Rutgers University. É
autor de vários livros, entre eles “Knowing Full Well” e, mais
recentemente, “Judgment and Agency”.