Fortaleza, Ceará, Centro Cultural Dragão do Mar, idos de 2008 – Estávamos eu e meu pai num concerto de música – primeira fila, canto esquerdo – acompanhando o espetáculo de um dos talentos da geração dele, meu pai, que não teve como também não me fisgar.
Francis Hime, com sua
banda e com seu piano, preenchia o espaço com a habilidade de
um bailarino. Já velho, gordo, cabelos brancos, meio corcunda
e com um inconfundível olhar de avô maroto, aquele
artista/arteiro nos conduziu a todos como um maestro o faz com sua
orquestra. Corrijo-me: a quase todos.
À nossa direita,
minha e de meu pai, estavam um senhor adiposo e sua esposa ossuda.
Montavam um casal de gordo e magro que nos garantiu a diversão
da noite que não queríamos. Sentados, permaneceram
ocupados em uma conversa que nunca cessava, exceto para dedilhar vez
ou outra seus respectivos celulares e sair para comprar comida e
bebida. E riam e proseavam alto e comiam e entornavam seus copos de
líquido que pouco importa. Em frente, um dos maiores músicos
vivos de nosso tempo; ao lado, dois glutões imbecilizados. A
anedota da pérola aos porcos nunca fez tanto sentido para mim
e meu pai.
Não é que estivessem mal vestidos,
não é que houvesse-lhes uma cárie nos dentes,
não é que faltasse perfume naqueles couros úmidos.
Mas não tinha como não olhar para aquilo e ver ali algo
de mendigo maltrapilho, cariado e enlodado.
Em certo momento, Hime
tocou Pau-brasil (Francis Hime/Geraldo Carneiro), narrando a
história da menina que achou no mato uma maçã e
foi surpreendida pelo deus Tupã, que lhe explicou o segredo
daquela fruta: uma maçã é nada mais que uma maçã
– sim, às vezes uma maçã é só
uma maçã. Na simplicidade rítmica da música
e na fluidez da letra, aqueles porcos não conseguiam prestar
atenção na simplicidade da pérola. Não entendiam
que uma maçã é uma maçã e nem
sequer poderiam, não prestavam atenção em nada
que se passava no palco. Incrivelmente, porém, depois de cada
música eles levantavam entusiasticamente gritando BRAVO!
BRAVO! para logo em seguida tirarem uma foto do que se passava. Após
esse átimo, voltavam para o filisteísmo de seus
sórdidos assentos.
Toda vez que vejo
alguém postando uma foto de felicidade hiperativa em redes
sociais me vem à mente esse caso. Digo isso porque tenho
amigos e, apesar de detestar eventos de massa, sou hipócrita o
bastante para frequentá-los vez ou outra e vejo neles o
comportamento dos porcos descritos acima. Na minha frente, agem como
se o que se lhes estivesse diante dos olhos fosse um filme
sul-coreano, tedioso como o programa do Faustão, porém
nas fotos e no intervalo das músicas aplaudem como se
estivessem prestando atenção no que está se
passando: BRAVO! BRAVO!
Não somos mais
capazes de viver experiências. O que nos redime são
nossas imagens expostas. Só podemos ser vivos durante algumas
curtidas e compartilhamentos. Não aplaudimos mais quem merece
ser aplaudido. Talvez não queiramos nem mais aplaudir; nem a
nós mesmos. As palmas são somente para que sintamos
algo. Dormentes, ainda nos restam as palmas de nossas mãos.
Elas ainda não estão de todo destituídas de
sentido. Espero que demoremos um pouco para descobrir que até
elas criam calos e, com o tempo, também ficam resistentes ao
toque. PQP. Contei o segredo. Nem as palmas das mãos temos
mais agora.
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