Saio para comprar o caldo do feijão: beterraba, cebola e alho. A bicicleta está murcha; a bomba de ar, com bronquite. Vou-me a pé. Faz um sol de janeiro na Baixada. Um sol de janeiro que se compara ao sol de janeiro da Linha do Equador que me pariu. Vou-me a pé. Já alcanço a ciclovia com os olhos. Estou prestes a atravessar a rua, quando vejo sob a ponte por cima do trilho do trem uma pilha de caixas de madeira, sacolas de plástico e retalhos de roupa. Torço para que seja o lar de algum mendigo, caso contrário lanço maldições ancestrais ao indivíduo responsável e a todos os seus óvulos ou espermatozoides -- melhor, amaldiçoo seu cromossomo 21 e está tudo resolvido. Atravesso e já alcanço a ciclovia com os pés. Vou-me a pé. Passam bicicletas por mim. Aquelas ali sustentam um casal: ele alto e negro, ela alta e negra. Distanciando-se de mim, assim no horizonte desta pista estreita, não distingo quem é um e quem é dois, e não importa. São entidades que passam por mim.