Oque não te disse (Diego Bauer, 2014) retrata alguém que, um
dia, deixou de dizer e, agora, não tem mais como falar. Relata a
miséria de uma mulher que, embora desesperada, não cultiva o
desespero e que, embora calada, não cultiva a inexpressão.
Explico
o não cultivo da inexpressão, a seguir; deixo o não cultivo do
desespero para o final.
A
expressividade do curta talvez seja um dos pontos mais difíceis
sobre o qual discorrer, dada sua fonte subjetiva, provinda de Jéssica
Amorim. O roteiro é seu. A atuação é sua. A maquiagem é sua. O
figurino é seu. Tirada a questão se a vivência ali retratada é ou
não sua – é ou não, na falta de melhor palavra, “real” –,
o curta é quase uma etnografia sobre como sofre Jéssica Amorim –
até pelo excelente manuseio das imagens, seus ângulos e sequências,
conduzidas pela direção de Diego Bauer, pela fotografia de Rafael
Ramos e pela montagem de César Nogueira.
O
problema é que fazer o registro descritivo de tão íntimo
sofrimento não é das tarefas mais fáceis. E aqui faço um aparte
para melhor me explicar.
Valho-me
do vocabulário que o filósofo David Hume utiliza para explicar
nossas percepções, isto é, nossos atos mentais. As percepções
podem ser ou impressões ou ideias. Abstratas, as
ideias são sempre percepções mais fracas, insuficientes, pouco
vivas; as percepções fortes são as impressões, isto é, aquilo
que nos vem por sensações e pela experiência e que são sempre
instantâneas, sem mediação. Frases do dia a dia que exprimem bem
essas noções humeanas são “Tenho uma ideia do que seja isso” e
“Estou impressionado com o que você disse!”. A ideia é sempre
mais vaga que a impressão, justamente porque é uma cópia e não o
original. Hume, o principal expoente moderno do empirismo, advoga que
a origem do que se conhece são os sentidos – e grande parte de
nosso atual senso comum o segue nisso.
Voltando
ao curta, nenhum problema há em como são retratadas as impressões
de Amorim, quanto às suas ideias, porém, surgem algumas
dificuldades. Utilizo-me, aqui, de dois principais elementos para
embasar o que digo: seu corpo e sua voz.
As
impressões são genuínas porque penso que qualquer mulher (nem
precisa ser mulher, aliás), em sofrimento ou que já tenha passado
por semelhante situação exasperante, ali se reconhece. Seu corpo
fala e convence.
Suas
ideias não.
Sua voz
(
em off) não acompanha seu corpo. Fortes problemas de
dicção atrapalham
O que não te disse. A propósito, o
recurso da voz
em off é um elemento que aparece pela segunda
vez em uma produção da Artrupe – a primeira foi em
A Segunda Balada (Rafael Ramos, 2012) –, mas que não surte o efeito
esperado, penso que devido à mesma falta: a possível confusão
entre o intencional falar despreocupado e realista e a simples
dificuldade de pronunciar corretamente as palavras. A Artrupe (com os
nomes que ainda não citei como os de Danilo Reis, Ediel Castro,
Victor Kaleb e Hamyle Nobre), disparada a melhor equipe técnica que
produz cinema em Manaus, nesse quesito igualmente técnico tropeça.
Volto
agora ao que deixei em aberto no início: o não cultivo do
desespero.
Desespero
é o estado de consciência que julga uma situação sem saída. É a
negação da esperança. A estória, embora na superfície possa
parecer o simples retrato do desespero de alguém que está prestes a
desistir de viver, na verdade, é o desenho de uma mulher que espera.
A porta que a personagem abre e fecha, sempre na expectativa de que,
na abertura seguinte, apareça o que ali não estava, é o indício
maior de sua confiança no porvir. A cena final é rica ao explorar a
semântica da porta que não se abre, mas que requisita ser aberta
pelas batidas incessantes do lado de fora. O que não te disse
é uma estória de esperança ao final de contas.