Há
um termo, utilizado no vocabulário marinho, que designa a
escultura com feições humanas ou animalescas,
geralmente em forma de busto, embora possa aparecer de corpo inteiro
também, que ornamenta a dianteira das embarcações.
Tal escultura serve geralmente para evocar o nome da nave e também
para afastar maus espíritos. Servindo para este último
propósito, a cabeça de proa é quase sempre uma
criatura feroz, com feições sombrias, fechadas, feitas
na medida para impor o medo. Estou falando aqui da carranca.
A origem
da palavra carranca é controversa, segundo o Houaiss. Não
tem etimologia. Mas ao se fazer um exercício imaginativo
pode-se aproximá-la por semelhança do verbo carregar.
Essa sugestão ganha ainda mais força quando se verifica
que outro atributo, além de sombrio, para expressar a feição
da carranca é justamente a adjetivo carregada. Carregar
é adicionar algo a algum lugar. Porém, quando algo está
carregado, em sentido figurado, significa que há um excesso de
carga, como quando nos referimos a um “perfume carregado”. A
carranca só é carranca porque apresenta as feições
carregadas e, por isso mesmo, medonhas.
Deriva de
carranca, o qualificativo carrancudo.
O carrancudo é aquele que, além da fisionomia, tem
carregado o espírito e, devido a isso, seus fluidos corporais
não circulam bem. Na antiguidade, tais fluidos corporais eram
chamados de humores e eram tidos como determinantes das condições
físicas e mentais do indivíduo. Hoje, essa crença
antiga sobrevive quando dizemos que alguém está de mau
humor querendo nos referir exatamente ao carrancudo. Este, aparte de
ser um doente de corpo, é sobretudo um doente de espírito,
já que está carregado.
Mas
qual é a causa para que alguém se encontre, nesse
sentido, carregado?