Boa noite, recém-casados.
Boa noite, amigos presentes.
Quando minha irmã me convidou para ser padrinho de seu casamento
e preparar um discurso, pensei que não poderia fazer outra coisa, se
não algo relacionado à filosofia. Mais ai me ocorreu: falar algo do
gênero pode não dar certo; o discurso fica chato se eu não souber
levar. Mas, ao mesmo tempo, não posso escapar disso, porque é algo
que corre nas minhas veias.
Amigos,
Vocês imaginam que um filósofo, chato, falaria algo do gênero
“O casamento é uma instituição que, na origem, nada tem a ver
com amor e tudo tem a ver com patrimônio” e, assim, estragaria
todo o romantismo que essa ocasião pede. É verdade que o casamento,
na origem, era isso, mas a origem não informa tudo sobre as coisas.
As coisas se transformam. A gente sabe que o presente ignora tanto
o passado que não é raro que aquilo que existia no início acaba
por ter pouca influência no dia a dia. Hoje e já há algum tempo,
esta instituição chamada casamento simboliza outras coisas: o amor
de duas pessoas e o quanto elas querem perpetuar esse amor
indefinidamente.
Sand e Thiago,
Supostamente, eu, como padrinho, tenho que aconselhar vocês sobre
o amor e sobre como preservar o amor.
Bem, o amor é um tema caro à filosofia. Mas vocês dois não se
preocupem. Não vou falar aqui da origem grega do amor que era
designado por três palavras e não por uma só. Não vou falar sobre Eros, philia e ágape – nomes engraçados
pra noções que a gente pode começar a compreender perfeitamente
por outros termos: desejo, amizade e caridade.
O desejo diz: eu te amo, você me faz falta, eu quero você.
A amizade diz: eu te amo, sua companhia me transborda, eu quero
estar junto a você.
A caridade diz: eu te amo, Deus ama a todos, e, por Sua causa,
nosso amor é possível.
O desejo é conhecido por não depender da escolha da gente. A
falta que faz o outro, quando a gente ama, tanto vem, quanto vai,
como se tivesse vontade própria. Os antigos consideravam o desejo
divino por causa disso.
A amizade também tem o seu quê de não escolha. O ditado “a
gente não faz amigos, mas reconhece” guarda certa verdade. Mas a
gente reconhece não porque falta algo, mas porque a gente tá
transbordando e quer compartilhar esse transbordamento com alguém
nas mesmas condições.
A caridade é um sentimento tão desinteressado que só quem tem a
divina capacidade de gerar uma vida é capaz de demonstrar. Ou seja,
ou Deus ou a mãe e o pai da gente.
No casamento, as três formas de amor vão ter ocasião de
aparecer. Não vejo utilidade em estabelecer qualquer hierarquia
entre elas e aconselhar vocês, Sand e Thiago, por exemplo, a
preservar mais uma que outra. Também não vejo como, do alto dos
meus 25 anos, eu possa aconselhar um caminho seguro pra que o amor,
em qualquer das manifestações, seja prolongado indefinidamente.
Sand e Thiago,
Amigos,
Como filósofo, não como sábio, não saberia aconselhar um
caminho certo. Também não saberia aconselhar um caminho que fosse
alheio ao que eu próprio já escolhi pra mim.
O que falarei a seguir – embora não sejam palavras minhas, mas
de Nietzsche – tá inscrito em meu tecido mais profundo. Penso que
essas palavras podem ser úteis pra vocês, caso vocês saibam dar
ouvidos a ela.
Sobre como conduzir a vida:
“Se, em tudo aquilo que queres fazer, começares a te perguntar
‘será que quero mesmo fazê-lo em um número infinito de vezes?',
isso será para ti o centro de gravidade mais sólido. Minha doutrina
ensina: vivas de tal maneira que devas desejar reviver; é o dever.
Aquele cujo esforço é a alegria suprema, que se esforce. Aquele que
ama antes de tudo o repouso, que repouse. Aquele que ama, antes de
tudo, submeter-se, obedecer e seguir, que obedeça. Mas que saiba bem
aonde vai sua preferência e que não recue ante nenhum meio. É a
eternidade que está em jogo. Essa doutrina é amável para com
aqueles que não acreditam nela. Ela não possui nem inferno, nem
ameaças. Aquele que não acredita sentirá, em si, apenas uma vida
fugaz.”
Sand e Thiago,
Eu não desejo a vocês uma vida fugaz.
Vivam como se desejassem reviver um número infinito de vezes.
Não recuem ante nenhum meio.
A eternidade está em jogo.
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* Discurso feito pelo padrinho Vitor para os recém-casados, Sand e Thiago, em 21/02/2015.
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* Discurso feito pelo padrinho Vitor para os recém-casados, Sand e Thiago, em 21/02/2015.